Por: Luca Creido – Academia Mineira de Belas Artes A.M.B.A
Por que ler os clássicos?
Essa é uma pergunta difícil, assim como é difícil encontrar um leitor que nunca a tenha feito. Afinal de contas, quem não sofreu com aquelas terríveis literaturas escolares, quando éramos obrigados a ler Lima Barreto, Augusto dos Anjos, Guimarães Rosa ou Machado de Assis em plena sétima série?
Na boa, eu não queria saber se Capitu traiu ou não o sonso do Bentinho. Eu queria era descobrir se o Harry Potter pegaria a Pedra Filosofal, se Frodo destruiria o anel e se o Nicholas Sparks escreveria um livro com enredo não copiado das novelas da Globo.
Creio, inclusive, que a maioria do preconceito com a literatura surge na sétima série. Eu, até hoje, tenho pesadelos com o começo de Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa:
“Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro.”
“Nonada”? “Dum”? “Erroso”? “Máscara de cachorro”? É impossível ler uma citação do Grande Sertão sem se perguntar: Guigui, hoje você tomou remédio?
Poxa, tem tanta coisa fácil por aí, com autores vivos, descolados, bonitos, que possuem uma rotina diária de escrita e musculação (e às vezes de Youtube). Será que ainda devemos ler livros como os do Guimarães e do Machado?
Bem, espero que eu possa provar que sim, vale a pena ler os clássicos. E não vou tentar te convencer neste texto. Não, tenho muitas semanas pela frente (se eu não for demitido antes).
Hoje, contentarei em definir o que vou chamar de “clássicos”. Claro que eu não farei isso sozinho. Não preciso. Eles já se definiram: Ítalo Calvino teve esse trabalho todo por mim.
No livro Por que ler os clássicos?, Clavino nos apresenta diversas conceituações pertinentes. Eu, por outro lado, pegarei apenas uma delas: “É clássico aquilo que persiste como rumor, mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.”
E é desses textos que vamos tratar aqui. Afinal, eles devem ser lidos e relidos, pois possuem a essência de nossa literatura (e, dessa forma, da nossa cultura, da nossa vida e dos nossos pensamentos).
Por exemplo, quão maravilhoso é ler Don Quixote, de Miguel de Cervantes, e perceber que o último cavaleiro era um grande leitor? E também crítico! Ele apresenta obras, comenta estilos, puxa orelhas. Mas, se olharmos profundamente, perceberemos que ele comenta textos que nem sequer foram escritos. Um comentarista de livros inexistente. Um deles, inclusive, do próprio Cervantes!
Só isso já nos faria admirar a coragem do autor, mas podemos ir além. Incrível é pensar como Cervantes se estendeu no tempo, chegando, inclusive, até Jorge Luiz Borges. 300 anos depois, o escritor argentino fez a mesma coisa em suas obras, permeadas por pseudo-resenhas. Ele imaginava um livro, fingia que alguém o fez e tecia seus comentários.
Não é só Borges. Nós continuamos seguindo o velho Quixote! Há rumores do cavaleiro andante no nosso meio. Afinal de contas, quem nunca fez um resumo para escola de um livro que ainda nem leu?
Os clássicos estão por aí, não há como negar. Você talvez apenas não saiba.
Nas próximas semanas, analisaremos textos curtos (contos, poemas, crônicas), mas que insistem em se manter (e se manterão!) no nosso meio. Sem bairrismo, preferência ou política. O clássico é que nos interessa!