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O QUE É LITERATURA

Por Paulo Siuves Academia Mineira de Belas Artes / Jornal Clarin Brasil29/12/2019 07h03min

“O que é literatura?”,

“Bom, literatura é tudo o que se pode ler!”.

“Huumm! Não é bem assim…”

É lá vamos nós para mais um debate. Há textos que simplesmente não são literatura, por exemplo: bula de remédio; gastamos muito, muito tempo lendo aquelas letrinhas miudinhas, feitas para caber a missa em uma folha, frente e verso. Se tiver explicação mais técnica que bula, eu não quero conhecer. O pior das bulas são aquelas partes que diz, “…caso ocorra, há risco de morte!” Há laboratórios que não acham isso muito legal e mudam as palavras pra dizer a mesma coisa “…caso ocorra, há risco de ortotanásia”. Aí o público leigo não se sente intimidado frente ao uso do medicamento, e a gente ainda pensa – se está avisando, não deve ser boa coisa. Embora o texto da bula provoque sensações e produzem efeitos estéticos, ele não se preocupa em nos permitir sermos homens melhores, na verdade essa “estética” procura vender a droga, procura não afugentar os compradores… Isso não é literatura.

Outra coisa que não é literatura… Manual de montagem. Não importa o que você vai montar, não adianta usar o manual. Hoje em dia temos o YouTube, joga lá “como montar…” e você vai encontrar um passo a passo do que fazer. Certa vez meu cunhado trancou o carro com a chave na ignição (na época em que era possível fazer isso), ligamos para o chaveiro e ele cobrou taxa de visita, taxa da abertura da porta, taxa de fim de semana e taxa de comprovante de pagamento das taxas anteriores. Estou exagerando. A última não existiu. Mas, pensei no YouTube e se dava pra evitar pagar tão caro para abrir uma porta. Consegui abrir o carro em menos de cinco minutos. Bastou ver o tutorial que, obviamente não era pra aprender a roubar carros, cinco minutos é muito tempo para isso. Voltando ao assunto dos manuais, há tutoriais para tudo, evita-se lançar em seguir um texto que mais confunde do que explica. Tente montar um brinquedo para o seu filho ou para o seu neto seguindo o manual do fabricante… A frustração é iminente. Manuais dos fabricantes não são literatura, e ponto final.

Mapas. Sinceramente, mapa não é literatura, gente! Há coisas nos mapas que são regras opostas do que se deve fazer. Bem vindos à modernidade e à funcionalidade dos eletrônicos mapas virtuais. Procurava uma construção indicada num mapa, porém a bendita havia sido implodida meses antes! Sirvo de chacota para alguns colegas até hoje, seguir mapas que usam construções humanas é pedir para ir pra lugar nenhum. Imaginem, se coisas da natureza mudam, cursos de rios; Pequenas elevações; áreas verdes… imagine prédios!? Mapas não são literatura. Mesmo se tiver um poema dentro dele.

Existem muitas coisas que não são literatura. E existe muita coisa sem letras que são literatura. Música clássica é literatura sonora; quadros nas paredes é literatura dependurada; cidades barrocas, isso é literatura habitável; uma criança amamentando, fazendo aquelas bochechas rosadas inflarem com leite, olhinhos fechados, mãozinhas semi-abertas no peito… é poesia clássica. E há muitos, inúmeros exemplos de literatura que não são escritos. Aquela reunião de amigos num barzinho no inicio da noite, no fim de ano, uma cena pra ler demoradamente, alguns bebem de olhos fechados enquanto outros flertam, outros fazem um batuque na mesa pra outro se lançar a cantoria, tudo é composição para alguém mais atento fazer uma leitura e se deliciar absorvendo a energia que emana do momento de confraternização.

Então podemos arrolar textos longos na categoria dos “não literários”, livros que são um verdadeiro desperdício de tinta e papel, livros escritos por autores que deveriam ter sido instruídos a não tirarem aquelas aberrações da cabeça, trazendo à luz textos literários horrorosos (há clássicos que vão renascer para sempre), assim como há mimeses que não fazem parte de livro algum, estão por aí espalhadas esperando algum leitor atento, sensível, que faça a análise disponível, hora em cores, hora em sons, hora em paladares, hora pelo olfato, hora nos momentos palpáveis da degustação artística androfágica, ou não antropofágica, mas certamente literofático.

P.S. – LITEROFÁTICO – neologismo que pode significar algo capaz de garantir a função fática da linguagem, isto é, aquilo que é próprio da literatura.

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Paulo Siuves é escritor, Formando da Universidade Federal de Minas Gerais, Presidente da Academia Mineira de Belas Artes, Embaixador Cultural da Academia de Letras do Brasil, Músico e Agente de Segurança Pública em Belo Horizonte, e escreve semanalmente para o Jornal Clarín Brasil
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