Por Juliano Azevedo – Academia Mineira de Belas Artes/ Jornal Clarín Brasil – 16/02/2020 às 0h38min
PALAVRAS ALEATÓRIAS
O sono estava chegando devagar. Os olhos já estavam caindo, lacrimejando, pedindo arrego. A luz do quarto estava fraca. “Quando precisava ter insônia, nada dela aparecer”, desejou o inquieto, mas sonolento. Cansado do dia, da caminhada, das feiras de artesanato, das compras no supermercado, do trabalho. Deixaria para terça-feira o que deveria ter produzido no mês passado. Mais um atraso. Teve de fazer escolhas. Focou suas energias literárias em algo menos urgente. Escreveu no bloco de notas do celular:
“[A mulher corna] Saiu oculta na madrugada, evitando fazer barulho na tábua corrida da sala. O coração sofria a dor do término com o galã do bairro [o chifrador], mas ela queria fazer uma declaração chocante. Pichou no muro da amante dele [a vaca] a poesia cantada pela seresta: “Saudade, palavra triste quando se perde um grande amor”. Chorou
”.
O texto era uma missão de uma brincadeira que circulava na internet. Cada poeta deveria escrever um microconto utilizando uma palavra determinada pelos organizadores do concurso. Ele não se sentia poeta. Contudo, arriscava uns versos, pois queria se destacar nas rodas literárias. Será que ele escrevia como Drummond ou como Clarice? Romântico ou moderno? Muito contemporâneo? Pouco entendia de poesias… Preferia os clássicos da literatura nacional, sobretudo, os escritores badalados em qualquer época. Jorge Amado, Machado de Assis, Fernando Sabino.
Sono, sono, sono
Por que me abraças?
Sinto solidão quando aparece
Tu serias fonte de inspiração
Se deixares meu quarto
Programou o despertador biológico para dormir às 23 horas, para acordar disposto mesmo com as quedas da temperatura. Detestava frio, usar agasalho, nem pijama tinha. Planejou usar um terno de inverno, guardado há cinco anos no armário. Será que ele ainda estaria na moda? Cansado, esqueceu qual era a cor do paletó que, certamente, estaria etiquetado. Provavelmente, com o preço da época de boa safra, quando o setor têxtil não sofria com a alta do dólar. A roupa nunca passeou pelas ruas de nenhum canto. Em outros tempos, cheiraria naftalina. Ou federia?
Morfeu, Morfeu!
Se você me ouve
Preste atenção
Não me leve ao mausoléu
Precisava repousar. Aquele papo de se dedicar ao sono pelo menos oito horas por noite: era seu sonho acordado. Queria dormir muito, mas o corpo não respondia aos seus desejos. No máximo seis horas. Gostava da noite para pensar. Da madrugada, para escrever. Do silêncio, para descansar. Abraçado ao travesseiro, mexia nas redes sociais, atualizando-se de nada. Afinal, o mundo descansava. A luz de um poste fazia sombras na janela. O insone continuava lutando para não se entregar. De uma vez, apagou. Um zumbido cantava ao seu ouvido:
Cada aeroporto / É um nome no papel / Um novo rosto / Atrás do mesmo véu / Solidão, que nada!
Jornalista, Professor Universitário, Terapeuta Transpessoal
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