Cultura/Lazer

Coluna do escritor Paulo Siuves

Por Paulo Siuves – Academia Mineira de Belas Artes/ Jornal Clarín Brasil – 03/03/2020 às 00h05min

Desafio de Escritor


Escritores gostam de desafios e alguns são muito bons para exercitar a criatividade, a
capacidade de elaborar textos, herméticos ou não, depende da vontade de sentar e se deixar levar
pelas correntezas lexicais. Um desafio que aceitei e não fui muito feliz foi a cerca da pontuação.
Escritores, vocês já tentaram escrever parágrafos longos sem pontuação? Um texto coerente, que
não faça uso nem de vírgulas e nem de outra pontuação qualquer? Eu confesso que não consegui.
Fiz um parágrafo de três linhas e a semântica ficou para trás. Depois tentei escrever um poema sem
fazer uso de uma vogal escolhida, veja como ficou:

ESTOU OUVINDO VOCÊ – (Poema sem a letra ‘a’)

Meu bem querer,
Estou ouvindo
Golpes dentro
Do seu peito.
Depois do
Nosso deleite,
O meu fôlego
Se consumiu.
Gosto de você
Desse jeito.
Depois desse
Nosso tormento;
Torso possuído;
Rendido;
Solto e despido
Sobre o leito.
Deite seu corpo
Juntinho de mim.
Deite o sorriso
No meu peito.
Deite seu suor
Em meus pelos.
Encontre em mim
Um porto perfeito…

Estou ouvindo você,
Eu te ouço sim.
No fogo dos sentidos
Sem fim
Escuto o seu sussurro
Feliz enfim.
Sou todo desejo desfeito.

A esse desafio dá-se o nome de LIPOGRAMA que nada mais é que uma composição literária
em que uma ou mais letras do alfabeto deixa de ser empregada propositadamente. Nesse caso, a
letra ‘A’ foi descolocada sendo selecionadas palavras que fizeram o texto adquirir sentido sem
prejuízo da ausência da vogal excluída (tente e nos envie sua composição). Depois o desafio foi
sendo explorado com exclusão das outras vogais; a letra ‘E’ ficou fora do segundo texto, e a letra ‘I’
foi preterida do último poema. É verdade, parei na letra ‘i’ porque esse desafio exige tempo e, hora
bolas, qual marido tem tempo ocioso em casa? Desafios são bons, mas desafio maior é ter tempo
para trabalhar como escritor em casa. Esse lipograma é um desafio composto sem métrica, versos
livres. Vejam como ficou o terceiro poema:

CORAÇÃO VALENTE –

(poema sem a letra ‘i’)


O quê é a dor, Coração Valente?
Estudos têm essa resposta
Sobre o que é a dor?
Os credos já sabem
O quão relevante é entender
A sensação da dor?
Dor de largar qualquer um acordado
Contorcendo-se na madrugada
De um lado para o outro
Sem poder adormecer.
Sem solução para a sua tresloucada
E frugal dor, esse é o dano da dor…
Desconheço onde está doendo,
Doendo no torso. Onde? Não entendo!
Doendo na cabeça. Onde? Não se sente,
Doendo e não aparece fármaco
Para a dor do coração,
Que se sente doendo na alma…
Dor que não se sente,
Que não se entende,
Que não se aclara,
Que não desembaraça,
Que não desaparece,
Que enlouque sem doer.
Ósculos da sua boca
Curam essa dor.
Os afagos de suas mãos
São bálsamos; curam-me.
Seus contatos suaves,
Seus abraços são a cura,
Coração valente,
Garanto que é aquele
Que está cansado de bater
E destarte se compraz
com a dor de doer

Por saber onde está a cura
momentânea dos males do amor.

Outro desafio bastante criativo é construir textos com palavras iniciadas com a mesma letra,
tipo aquela história do ferreiro Fernando Ferreira Fagundes que a gente relia pela escola nos anos 80
como um texto inteligentíssimo, hoje em dia deve circular pela internet com a assinatura de algum
cronista famoso, como Fernando Veríssimo, Drauzio Varella ou outro renomado escritor. Esse
desafio é uma Forma fácil e formidável de fomento à fabricação de formosas facécias. Um repto
melhor constituído talvez seja produzir sonetos com palavras iniciadas com a mesma letra… Talvez
você, amigo leitor, tenha algum desafio e queira nos contar como foi aceitar e, talvez, nos desafiar
também, vai que eu aceito…

A imagem pode conter: 2 pessoas, incluindo Paulo Siuves, pessoas em pé

Paulo Siuves é escritor, bacharelando em Estudos Literários pela Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, presidente da Academia
Mineira de Belas Artes, Embaixador Cultural da Academia de Letras do
Brasil, músico e agente de segurança pública em Belo Horizonte, e escreve
semanalmente para o Jornal Clarín Brasil

Curta,compartilhe e siga-nos:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *