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Crônica de muitas mortes anunciadas – Coluna da Angeli Rose

Por Angeli Rose

Crônica de Muitas Mortes Anunciadas

Estamos no mês de Março, e como carioca posso lembrar-lhes logo do aniversário da cidade (maravilhosa) no primeiro dia do mês. Posso reafirmar o dia internacional da Mulher (8/3), data em que se comemoram conquistas femininas, desde o direito ao voto até vagões de metrô na cor que dá exclusividade a passageiras no ir e vir cosmopolita de nossas metrópoles. Posso também resgatar em nossa memória, às vezes curta, o segundo ano de luto pela morte da vereadora brutalmente assassinada, Marielle Franco (14/3).

Tais lembranças e datas já seriam suficientes para fazer das “águas de março”, como lindamente cantou nosso Antônio Carlos Jobim, o Tom, águas inesquecíveis. E parece mesmo que esse ano o mês quer se fazer fechamento do verão!

Mas o que hoje compartilho com você, leitor, leitora, é um pouco da perplexidade ante a violência urbana que segue sua deriva qual a lama do “Doce” que arrastou dezenas de vidas para o fim.

São algumas palavras que cantam a dor materna que não terá mais suas meninas nos braços. E penso que a mãe de Duda, ou a mãe de Marielle, mais do que mães de “casos” de difícil solução, por razões diferentes, serão lembradas pelos sorrisos que lhes foram arrancados dos abraços ternos cotidianos.

Assim, deixo-lhes com este singelo poema para que nesse mês de Março, que apenas se inicia, possamos fazer das comemorações vindouras um ato de resistência também à violência urbana e à violência contra a mulher.

A MENINA DANÇA

Uma menina dança em minha memória:

Sorri e pergunta por quê há fome no mundo(?)

Ela só tem olhos para o futuro

O futuro que perdi quando ela se foi.

Mas a tenho em meu seio ainda
sonolenta e tão minha.

A menina que voou na frente de todos

milagre às avessas dos homens armados
com um tiro apenas, uma escopeta

que ela nem sabia a quem pertencia.

Minha menina se foi levando a certeza de todos

Minha bailarina mirim deslizante,

saltitante em minhas palavras tracejadas

Ligada no gato pelas alturas

Criança de luz, nunca mais.

Nunca mais chamarei minha menina
para o café da manhã

para o banho

para calçar a sandália

Nunca mais, minha menina

Nunca mais escola.

Só manchas na amarga lembrança
da cidade ferida e abandonada

Escadarias de traumas e negritudes.

A menina dança, a menina balança
a menina,

minha menina sangra.

ANGELI ROSE

ANGELI ROSE é escritora, professora(Ph.D. em Educação), Vice-presidente da ALB/Campos-RJ, carioca e geminiana. E foi agraciada em 2018 com a Medalha Marielle Franco(LITERARTE/Casa Olodum).

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