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A CULPA É DAS GOIABAS – Eluciana Iris


Ferozmente, ela levou o que tinha a frente, sem importar com ninguém, o que antes era beleza, virou destruição

A CULPA É DAS GOIABAS

Por Eluciana Iris

É quase outono, as folhas começam a cair das árvores que floresceram tão belas na primavera e tiveram seu encanto durante o verão. É certo que uns acham lindo as folhas caírem nas ruas, em cima dos carros e telhados, outros as detestam, acham que sujam as ruas e são sem graças.
Paciência, “a beleza está no olho de quem a vê”, já dizia Sócrates, bem expressado pelo autor Sir Francis Bacon 1612, “A melhor parte da beleza é aquela que nenhum retrato consegue expressar.”
O outono acontece na data de 20 de março 2020, devido ao fenômeno equinócio, posição do sol e inclinação da terra. Pois bem, deixo para os estudiosos da área explicar profundamente este fenômeno astronômico, aqui meramente uma citação para demonstrar em que momento vai iniciar o outono.


Na véspera do outono dia 19 de março, comemora se “as enchentes das goiabas”, podemos até lembrar da música de Tom Jobim, “são as águas de março fechando o verão”. Até aí nada de errado. Por tradição em muitas cidades mineiras também comemora se o dia de São José, padroeiro dos carpinteiros. 


Porque o nome de enchentes das goiabas? Contam que, nas beiras dos rios haviam muitas goiabeiras de goiabas maduras, deliciosas, perfumadas e saborosas, durante as fortes ventanias e chuvas constantes caiam ao solo. Vindo a “tromba d’água e tempestades, as frutas eram levadas pelas correntezas, parecendo uma enchente de goiabas. 


A população em volta dos rios não parecia no passado sofrer com as enchentes das goiabas, bem diferente dos noticiários de jornais das cidades de Minas Gerais. Serão as goiabas as culpadas?
Os rios ocultos, debaixo das ruas e avenidas, não estão em mais fazendas, roças como antigamente, estão debaixo do asfalto, e já não podem ter suas companheiras no fim do verão. O que fizeram com as goiabeiras da região, odeiam goiabas? 


Os rios estão oprimidos e presos, condenados a viverem no escuro, junto de animais roedores, peçonhentos e cucarachas, estas detestadas por muita gente que vive ao sol e ao vento, dentro de suas casas escolhidas e planejadas. 


Moro na cidade grande. Planejaram as casas mesmo? As ruas foram planejadas? Parece que esqueceram de planejar a permanecia das goiabeiras. Cadê as goiabeiras? Onde elas estão? O dia 19 está chegando, e não as vejo as margens dos rios. Mas que margens meu Deus? Meus olhos me traem. Aqui na cidade grande eles já não tem mais encantamento, suprimiram seu deslizar de águas mansas e claras. Qual pecado será que cometeram para receber tamanha sentença de quase morte. A sentença que ninguém mais vai enxergar-los descendo esplêndidos, muito menos com flutuantes goiabas maduras.

– “Onde já se viu tamanho prepotência querer ser livre estes rios’, diziam muitas vozes poderosas.
Vejo concreto, casas, lojas, carros, vendedores e alguns cachorros na coleira passeando pela calçada, os gatos parecem exterminados por aqui, não os vejo caçando como de costume. Nem sei onde piso se é terra firme ou rio debaixo dos meus pés. Perdi a referência básica das árvores as margens do rio, com cílios e pestanas.


Em Belo Horizonte houve uma reviravolta na cidade, as chuvas fortes chegaram no verão, a tromba d’água caiu e pareceu revoltada, ela chegou e nem teve a graça de levar as maduras e desejadas goiabas, não porque não quis, e sim por não existir mais por estas bandas.


Ferozmente, ela levou o que tinha a frente, sem importar com ninguém, o que antes era beleza, virou destruição.


Explodiu bueiros, retornou água suja para dentro das casas, empilhou carros feito pilha de madeira leve, esparramou lama e fedor por todos os cantos por onde teve força.


O rio aprisionado ficou sufocado, nada pode fazer, ele ficou ali entre a cruz e a espada.
Somente se ouvia dos moradores, que chuva é essa? Que raiva, destruiu tudo por onde desceu. Odiaram a chuva. Se aparecesse uma goiaba por ali, seria culpa dela toda a desgraça do momento, pois era ela que esperava o dia 19 de março para cair do pé e ser levada pela correnteza, linda , leve e solta. Afinal a chuva tinha que ser forte para desprender dos galhos.


Sempre se lia nos jornais que planejamento de obras é de responsabilidade do setor de desenvolvimento urbano, ou seria lenda? Se o poder público quer um bode expiatório para as mazelas causadas pelas chuvas de verão, põe logo a culpa nas goiabas e deixa as águas rolarem.
A realidade deixa muito espaço a imaginação, e de repente as águas revoltadas contra a humanidade tem nome e endereço certo, pode incansavelmente a cada verão buscar o responsável pelo aprisionamento e aniquilamento desnecessário dos rios e arruinação das goiabeiras. 


As árvores deixam de existir, quando não há ninguém na floresta para percebê-las (George Berkeley 1710).

Eluciana Iris 

Eluciana Iris Almeida Cardoso é natural de Campo Belo-MG, Brasil. Reside em Belo Horizonte, é escritora, poeta, nutricionista, professora, palestrante, bacharel em direito. 

Membro do Núcleo de Letras Y Artes de Buenos Aires. 

Membro da Academia Luminiscence Francesa 

É Vice-Presidente da Academia Mineira de Belas Artes 

Escreve quinzenalmente para o Jornal Clarín Brasil

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