Apocalipse gourmet
Por Luca Creido
Não me leve a mal, mas eu sempre achei que o mundo acabaria em um apocalipse zumbi. E eu estava preparado para isso! Poxa, sei atirar como quase ninguém; sei também que não sou nenhum atleta, então tenho curso de direção defensiva (com o intuito de realizar fugas motorizadas); além do mais, sou de Ribeirão das Neves, contemporâneo de Bruno e Macarrão. Quem, da minha idade, sobreviveu a uma peladinha ou racha em Ribeirão das Neves, não é fácil de abater.
Sério mesmo, achei que o apocalipse zumbi viria e eu passaria ileso. Tanto que já refletia sobre uma mudança. Sei lá, respirar novos ares, após o genocídio global, entende? Estava pensando em recolonizar um país na Europa. Nada muito grande, provavelmente Mônaco. Não sei se você conhece lá, mas se trata de um daqueles países que apenas é um país porque ninguém lembrou de dominá-lo.
Deve ter acontecido algum deslize de um general francês, ou algo assim:
_ Homens, ainda temos que dominar Mônaco.
_ General, prometi a minha esposa que voltaria mais cedo hoje.
_ Relaxa, até anoitecer já dominamos o lugar.
_ Mas ela falou que vai cozinhar croissant no café da tarde.
_ Ok, senhores, amanhã vamos chegar meia hora mais cedo para dominar Mônaco antes de invadir Piemont.
No outro dia, acabaram esquecendo. Esse país, certamente, só existe por causa da procrastinação francesa.
Entretanto, eles não escapariam de uma catástrofe zumbi, haja vista que mortos-vivos são iguais trabalhadores da CONTAX: incansáveis. Tenho absoluta segurança que Mônaco seria um lugar habitável depois de um jantar qualquer de uma horda apocalíptica.
E eu o repovoaria.
Todavia, o mundo insiste em não acabar em cadáveres reanimados. Ele, ao que tudo indica, acabará em quarentena. E eu não fazia a mínima ideia de como me comportar diante desse plot twist.
Quando começaram a avisar que o Covid-19 chegou ao Brasil, corri com minha esposa, a Bárbara, para adquirir o maior número de coisas possíveis. Eu fui a um supermercado e tentei comprar tudo que conseguia cozinhar. Infelizmente, só sei fazer risoto. Faz dez dias que só comemos risoto aqui em casa.
Não me culpo por isso. Não me preparei direito para o apocalipse gastronômico, ao qual, em vez de matar criaturas comedoras de cérebro e repovoar Mônaco, eu teria que ficar em casa cozinhando para sobreviver. Aliás, ninguém se preparou, nem a Bárbara (e olha que ela é precavida, tem até doutorado em um assunto que não faço a mínima ideia do que é).
Enquanto eu fazia compras no supermercado, Bárbara estava em uma quitanda. Ela foi comprar frutas e verduras, para nossa subsistência. Meia hora depois, quando a encontrei, estava com apenas duas sacolas. Fiquei assustado, afinal, no sacolão geralmente trazemos várias coisas:
_ Bárbara, deu para comprar tudo nestas sacolinhas?
_ Deu, Lucas.
_ Você comprou banana? Maça? Mamão?
_ Não. Comprei seis latas de leite-condensado.
Olhei assustado, sem entender, e ela respondeu:
_ O mundo está acabando. Fodas o regime.
Enfim, não sei se o mundo está realmente acabando. Até acredito que não (apesar do Bolsonaro). No entanto, de uma coisa eu tenho certeza: se ele for acabar, aqui em casa, ele vai acabar em risoto e pudim.
Luca Creido (ou Jucicriedo)
nasceu em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Formou-se em direito e em letras, ambos pela UFMG. Advogou por um
curto período e, atualmente, é Delegado de Polícia Civil, professor universitário e escritor, tendo publicado, dentro outros, o livro “Pucadiquê? Coisas que eu não queria esquecer…” Regularmente, publica
crônicas no seu site http://lucacreido.com.br/.