Por RTP TV pública de Portugal – Lisboa 13/04/2020 às 11h02min
A China está impondo restrições à publicação de pesquisa acadêmica sobre a origem do novo coronavírus, que apareceu em dezembro passado, na cidade de Wuhan. A ordem partiu de uma diretiva governamental e todos os estudos serão sujeitos a uma verificação antes de serem submetidos a publicação. Informação publicada online por duas universidades chinesas que entretanto foi apagada.Estudos sobre a origem do novo coronavírus, que provoca a doença Covid-19, vão receber um escrutínio extra antes da publicação, na China, e terão de receber aprovação de funcionários do governo central.
Este parece ser um esforço do Governo chinês para poder controlar a narrativa sobre as origens do novo coronavírus, que se tornou pandemia mundial, afetando mais de um milhão de pessoas – a Covid-19 já matou mais de 100 mil pessoas desde dezembro do ano passado.
Muitos dos estudos realizados na China sobre a Covid-19 têm sido conhecidos em publicações de renome na área da ciência e permitiram descobrir muitas das particularidades do vírus. Têm também levantado muitas questões sobre a atuação do Governo chinês durante o surto e levado a muitas críticas nas redes sociais.
Um investigador chinês que falou à CNN e preferiu manter o anonimato, por medo de retaliações, explicou que esta medida iria obstruir a divulgação de informações muito importantes.
“Penso que é um esforço coordenado pelo Governo chinês para controlar a narrativa e pintar um quadro em como o surto não teve origem na China. Penso que não vão tolerar estudos objetivos sobre o tema para não se saber a origem do vírus”, declarou, explicando depois que as imposições seriam apenas implementadas em estudos sobre a Covid-19 e que informação sensível seria reprimida por Pequim.
A diretiva foi imposta pelo departamento de ciência e tecnologia do ministério da educação da China. No documento podia ler-se que “estudos acadêmicos sobre a origem do vírus têm de ser controlados de forma rigorosa”.
Uma medida composta por fases pelas quais os estudos têm de passar para ter aprovação, a começar nas universidades. Depois serão enviados para o ministério da Educação, para o departamento de ciência e tecnologia que remeterá os estudos para um grupo de trabalho, sob a égide de um Conselho de Estado, que fará a verificação. Só depois das recomendações do grupo de trabalho é que as universidades poderão publicar o seu trabalho.
Outras publicações sobre a Covid-19 serão verificadas pelas próprias universidades. As instituições vão basear-se no valor académico da pesquisa e decidir se será a altura certa para publicar as conclusões.
Diretiva do Conselho de Estado
Esta é uma medida que foi acordada a 25 de março, baseada em instruções do Conselho de Estado chinês, numa reunião para prevenção e controlo da Covid-19. O documento foi publicado dois dias depois na página da internet da universidade de Fudan, uma das principais na China.
Contactada pela CNN, a universidade revelou que a diretiva se trata de um documento interno que não é para ser de conhecimento público. Poucas horas depois, a informação foi retirada do site da universidade, o mesmo tendo acontecido no sítio oficial da universidade geociência, em Wuhan.Um porta-voz do Governo chinês, Zhao Lijian, deu mesmo início a uma investida no Twitter, acusando os Estados Unidos de terem criado o vírus e de o terem levado para a China.
No entanto, há investigadores que dizem não ter sentido qualquer censura por parte do Governo chinês no mês de fevereiro, altura em que foram publicados estudos sobre a Covid-19. Caso de David Hui Shu-cheong, um especialista em medicina respiratória da Universidade chinesa de Hong Kong, que revelou que a publicação que fez no New England Journal of Medicine não teve qualquer restrição na China continental.
“Não sei se isto será sobre os estudos de alguns investigadores que tinham informação sensível na China continental. Não sei se será pela controvérsia sobre a origem do vírus”.
Depois de os primeiros casos terem sido conhecidos em Wuhan, o Governo chinês e as redes sociais do país parecem tentar questionar a origem do vírus, reafirmando que não existem conclusões sobre o sítio onde apareceu.
No entanto, o novo coronavírus tornou-se um tópico sensível na China. Yanzhong Huang, chinês que vive em Washington, revelou que não é uma surpresa o Governo de Pequim querer controlar informação sobre a Covid-19, já que as investigações podem apontar para factos que contrastam com a narrativa chinesa de questionar a origem do vírus.
“O perigo é que quando a investigação acadêmica é submetida a controlos daqueles que estão no centro do poder político, isso é algo que mina a credibilidade da narrativa do Governo, fazendo com as que as acusações de espalhar informações falsas sejam cada vez mais convincentes”.