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ACADEMIA MINEIRA DE BELAS ARTES – Angeli Rose

CABRAL DESCOBRIU O BRASIL? (II)

Por Angeli Rose

O medo é uma via para manter os fantasmas por perto. E na situação incontornável de lidar com o fantasmagórico vírus que se impõe a nós, o Corona, mesmo em isolamento social, tal contexto pode obnubilar nossa percepção da realidade a ponto de desfigurar o cotidiano (#fiqueemcasa).

Muitos de nós podem estar tendo experiências nessa direção e por isso, talvez, seja tão necessário no momento compartilhar visões, sentimentos, vivências em torno da real ameaça da COVID-19.

O medo de não se identificar ou não reconhecer o grupo social que estaria a nos representar, ou ainda o receio de não pertencer a algum deles são elementos capazes de trazer para a nossa subjetividade a indefinição de sentidos a certas experiências.

Portanto, ao mesmo tempo que o medo é agregador, ele também pode ser um agente de desagregação. E sob essa possibilidade é que resistem as questões em torno de nossa identidade cultural, penso. Questões não são vírus, mas são partículas do pensamento que podem se condensar no ar cultural de um grupo ou de uma época.

Assim, parece retornar a questão posta há semanas e nesta, por meio desta coluna: “Cabral descobriu o Brasil?”. Mais do que um título, temos uma constelação de questões capazes de rondar a mesa de trabalho e leitura de qualquer cidadão mais reflexivo.

Só a um espírito contemplativo é dado conhecer seus fantasmas como as “querelas do Brasil”. Lembram de “O Brazil não conhece o Brasil/ O Brasil nunca foi ao Brazil(…)?” Assertivas criativamente entoadas por Aldir Blanc nas interpretações de mãe e filha em séculos diferentes a de Elis Regina e a de Maria Rita.

E você, leitor, conhece o Brasil? Ou antes que a leitora imagine um tour turístico para conhecer o Brazil que esteja por ser vendido, o que não é o caso, pergunto: De que Brasil estamos a falar? Do Brazil? De brasis?

Numa breve caminhada, vamos ao Brasil dos “Oitocentos”. Segundo estudiosos e especialistas, trata-se do período em que “tudo” começou. “Tudo” o quê? Não foi com Cabral que “tudo” começou?

Sim. Não. (A descoberta da terra sim, mas o Brasil, não.)

Ao atravessar os fatos históricos como a identificação da planta “nativa”, Pau-brasil, e posterior identificação do território recém-descoberto como o primeiro produto local a ser explorado.

Quanto ao ponto do “começo”, da perspectiva da historiografia literária, os “Oitocentos” seriam o marco para verificar a preocupação e as ações efetivas na direção de se construir a identidade nacional. E com eles surgiram as academias e as associações literárias, assim como as de belas artes e as de ciências, bem aos moldes das europeias. Daí, a relevância das academias na realidade histórica brasileira. O espírito associativo, gregário de então foi responsável por se cumprir importante função social e política das academias:

 – Partilhar e divulgar formas do conhecimento;

 – Produzir e estimular visões críticas sobre a realidade local, tornando relevante o traço nacional;

 – Preservar e fortalecer manifestações estéticas, através do debate;

– Reunir os intelectuais e reconhecer a importância deles no cenário das belas-letras e das ciências;

Estes seriam alguns dos propósitos que as academias teriam tomado para si, dentro do “sistema literário” que se estabelecia.

Agora, permito-me digredir através da lembrança agradável de como tomei contato mais direto com as academias: como estudante, recordo vagamente que as primeiras lições de literatura na escola (pública) davam notícias sobre os “imortais” com destaque para Machado de Assis – que ainda não era negro para mim e meus colegas de classe; muitos anos depois, como professora, alimentava a curiosidade de conhecer escritores frequentando alguns eventos promovidos pela ABL (Academia Brasileira de Letras) e, muito posteriormente, como doutoranda participei de uma convocatória promovida pela ABL e o Jornal dos Concursos, o que resultou na publicação de minha prosa poética “Afinando o diapasão…”, entre todas as composições classificadas, no livro “Coletânea Imagem e Palavra”, ABL, 2004. E, mais recentemente, como autora convidada e membro de diversas associações nacionais e internacionais.

Entretanto, foi nessa última forma de relação que decidi investigar mais a fundo as contribuições das academias.

Posso destacar as solenidades de posse da ALB/Campos-RJ e da ADABL, por razões diferentes: a primeira porque a gente nunca esquece; a outra, Associação de Diplomados da Academia Brasileira de Letras, exigiu a preparação de uma palestra, avaliada por membros presentes que manifestaram seu parecer a favor de meu ingresso na associação. Como se fosse hoje, passo na memória “Nélida Piñon” e o feminino em “Vozes do Deserto”: de Sherezade a Marielle Franco.” proposta que atendia à condição estabelecida de o trabalho versar sobre um(a) escritor(a) brasileiro(a). Fui acolhida como membro-titular, o que me envaidece, principalmente por poder conviver mais de perto com novas amigas como a presidente, Zélia Fernandes, a diretora Dra. Vera Gonzalez (também presidente da Academia Brasileira de Belas Artes-ABBA) e a produtora cultural Maria Araújo, entre outras muitas ilustres personalidades imortais das artes no Brasil. Mas em que isso tem a ver com aquelas dos “Oitocentos”?

(Muita coisa, adianto. Porém, acrescento que muito pouco poderei nesse espaço informar.)

A começar porque tenho a alegria de conviver de perto com alguns dos propósitos daquelas associações históricas, o que para uma pesquisadora é no mínimo um bilhete de loteria premiado; e na qualidade de escritora e ativista cultural, a possibilidade de atuar em mais uma frente, fortalecendo o exercício de minha cidadania pelo “direito à literatura”.

No entanto, esse grau de “escrevivência” conferido a esta crônica quer ir um pouco além ao voltar no passado, quer favorecer reflexões acerca de que Brasil essas de agora e aquelas associações tratam? Ou ainda, quantos brasis existem no seio dessas academias?

A leitura de trabalhos sobre a constituição da crítica literária no Brasil passa obrigatoriamente pela criação dessas academias, por serem responsáveis, entre outras coisas, pela formação de uma tradição literária, a qual também colocou o país do ponto de vista cultural no cenário estético do Ocidente.

Vários frutos foram produzidos lá nos “Oitocentos”, como revistas que objetivavam noticiar e comentar a vida literária e científica do país. (Quando recebo a notícia que a Revista Arigó da AVL está no ar, digital, e convoca para o envio de artigos, sinto um entusiasmo ímpar por estar participando dessa história continuada, guardadas as devidas singularidades!).

Há muitas curiosidades que emergem das páginas do “Atlas Imperial do Brasil”(1868) de Cândido Mendes de Almeida, ou do polemista Sílvio Romero com sua “História da literatura Brasileira” (1888), e em “A crítica que fez história” de Milena Pereira, dos relatórios e registros de algumas reuniões desses grupos de acadêmicos e de discursos, pois na missão que as primeiras arcádias tomaram para si, havia o tom prescritivo também, tipo “o que deve ser tema para o escritor”.

Em realidade, percebe-se que houve a invenção do Brasil junto à descoberta da “terra de Santa Cruz” como a queria Pedro de Gandavo, segundo historiadores.

Entre a “Academia dos Esquecidos”, “Academia dos Felizes”, “Academia dos Seletos” e a dos “Renascidos”, primeiras surgidas desde 1726, e as atuais citadas nas minhas ralas memórias, o leitor e a leitora poderão tomar gosto pela meditação em torno do Brasil atual que vê e conhece, pensando, quem sabe, sobre como se é visto no Brasil e no Brasil, descobrindo também os seus brasis.

Até pra semana, que outro incontornável desejo me chama: tomar uma boa xícara de café fresquinho. Mas não sem antes, leitores, deixar um brevíssimo “poemeto”, publicado na Antologia de Comemoração dos dez anos do Centro de Literatura do Forte de Copacabana, Exército do Brasil (2016) e em Portugal, antologia Conexões Atlânticas IV, editora IN-Finita (2018):

POEMETO

“Quando estou em mim

Todo lugar é um jardim.”

Angeli Rose é carioca, geminiana, docente universitária, pesquisadora. Escreve semanalmente para essa coluna do JCB é Vice-presidente de honra da ALB/Campos-RJ,Dh.c em Educação (FEBACLA) e de pesquisadora. È Dh.c em Belas Artes (CONCLAB/Academie e Université honorifique philo-romaine Des San Constantine e Charles), entre outras atividades que exerce. Autora também de BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA DE UMA MULHER PANCADA, editora Bonecker.

Revisão de texto: Juliana Nicácio – Academia Mineira de Belas Artes

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One Reply to “ACADEMIA MINEIRA DE BELAS ARTES – Angeli Rose

  1. Verdadeiramente estamos a aprender nos conhecer, Brasil!
    Terra adorada, que nos escritos de Angeli nos faz refletir.
    Enquanto pessoas como você escrevem e reescrevem a história que retrata a vida; me Felício com uma xícara de café e me ponho a refletir. Término parafraseando seu poemeto; estar inserido nesse jardim e florescer a todos que querem ver. O quê?
    O que temos a oferecer.

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