NEM TUDO QUE RELUZ É OURO
Por Eluciana Iris
Alguns provérbios são ícones, já outros são eternizados na nossa memória.
O gênero textual provérbio, também chamado de dito popular, nasceu na antiguidade e são ouvidos até os dias de hoje, muitos são anônimos.
Eles sãos fáceis de memorizar e transmitir por terem um formato simples, curto, direto, como forma de sentença.
Podem transmitir conhecimentos da sabedoria popular, rica em imaginação.
Um dia conversando com uma amiga, ela me contou que até hoje, abril de 2020, tem medo de assombração, de fantasmas e gente que já morreu.
Isso porque seu pai contava histórias de arrepiar os cabelos, quando ela tinha uns 7 anos. Os outros seis irmãos, choravam de medo, algumas vezes até faziam xixi na cama por pânico de levantar e ir ao banheiro de madrugada, e lá encontrar uma daquelas assombrações que seu pai dizia ter visto, e que não era nada heroico enfrentar.
— Meu pai falava que a gente não podia sair à noite porque tinha uma enorme luz encantada na estrada. Se a gente chegasse perto, ficaria encantado e desapareceria, mas se por acaso conseguisse chegar perto e não desaparecesse, ficaríamos milionários já que aquela luz era feita de ouro e o chão cheio de tesouros. Eu preferia não arriscar sair de casa e nem chegar perto, pois tinha muito medo de desaparecer e não ver minha família mais. Desconfiada eu era e sou até hoje.
— Ele também dizia que em época de quaresma não podia brigar e nem xingar os irmãos, todos deviam obedecer aos pais senão os irmãos podiam virar lobisomem, e sairiam por todos os lugares da roça e da cidade, comendo leitão novo, cachorro e crianças, até passar a quaresma.
Essa maldição se repetiria por todas as quaresmas, só não iria se repetir caso o padre os visse transformar em lobisomem e jogasse água benta na hora.
— Eu tinha um medo danado por ser mulher, virar mula sem cabeça, soltar fogo pelo pescoço ou então ser comida por lobisomem. Rezava demais.
Fiquei olhando para ela, na dúvida de como uma moça aos 40 anos, ainda tinha medo disso, com toda tecnologia que temos e conhecemos. Afinal assombrações nem existem ou será que existem?
Mas não fiz chacota da situação, tentei confortá-la, dizendo que seu pai contava as invenções que foram contadas a ele de geração em geração, de forma que era tudo imaginação, ficção. Eu também tinha muito medo, quando criança, de outro conto.
Certa vez, era quaresma, o pai de minha amiga, quando tínhamos uns 8 anos, indo de uma roça para outra, a cavalo, por um caminho estreito entre a mata e o rio, iluminados pela lua, contou que, tinha ali naquela estrada uma cruz fincada debaixo do pé de aroeira, marcando o local que morreu um rapaz muito bonito, destemido de tudo, que passeava por aquelas bandas com seu cavalo Azulão e um violão, zombando de todos. Fazia músicas e músicas rindo do “capeta”, no final se deu mal. Arregalamos os olhos e ficamos alertas a cada palavra contada.
— Uma bela noite de outono, o rapaz estava montado em seu cavalo, tocando seu violão como de costume. De repente sentiu um calor em suas costas, e uma clareira abriu atrás: ele que não acreditava em nada, nem virou as costas para certificar do que se tratava. Seguiu seu caminho cantarolando e bebendo sua cachaça.
— No outro dia, no mesmo horário, estava ele lá, cavalgando com seu velho amigo Azulão e seu violão, desta vez, o clarão não aconteceu atrás de suas costas, e sim bem na frente do cavalo, mais ou menos uns 2 metros, uma luz reluziu igual ouro, ele teve curiosidade de ver o que era, apeou do cavalo.
Num golpe de visão, bem rápido chegou à sua frente o “coisa ruim”, enorme, com chifres maiores que da vaca Mimosa e do boi Zeferino, garras afiadas feito de urso, seu corpo explodia em chamas, era o “capeta”, dando risadas e pulando uns 4 metros de altura.
O cavalo saiu em disparada e o moço destemido, chacoteador de tudo e de todos, fez xixi nas calças, seu coração não aguentou e “bateu as botas”.
Ali naquela estrada foi fincada a cruz, para lembrar desta passagem.
A notícia se espalhou por todos os cantos, a partir deste momento tudo que brilhava na estrada, todos tinham medo e desconfiança.
Escutávamos a história com o coração acelerado, uma pedrinha que brilhava um pouquinho no chão era motivo de muito pavor, nossos corações tremiam, as mãos ficavam geladas.
Ficávamos de olho no cavalo, afinal ele podia perceber o “coisa ruim” mais fácil que a gente, assim pensávamos. Pronunciar o nome “capeta”, nem pensar, íamos rezando estrada afora.
Quando chegávamos do outro lado na roça dos amigos, a gente queria logo era um copo com água, de preferência com açúcar para acalmar o coração e o medo ir embora.
Olhávamos para os adultos, eles nem pareciam estar com medo, ou na verdade estavam fingindo que não tinham medo. Nunca soube a verdade, se eles tinham ou não.
Contei o caso para minha amiga, da experiência que tive quando criança, numa tentativa de mostrá-la que agora que já tenho mais de 40 anos, não tenho mais medo desse tipo de assombração, o medo ficou para trás, faz um bocadinho de tempo.
Ao invés de melhorar a situação, piorei. Ela que não tinha medo de andar na estrada à noite, agora passou a ter medo e pavor. Vinha na minha cabeça toda hora, por que não fiquei calada.
No mesmo dia ligou para seu pai que ainda mora na roça, concordando com ele sobre aquelas histórias contadas, que assombração existe sim.
E para ele ter cuidado dobrado daqui em diante, que ele nem tem cavalo para alertá-lo, para não acreditar que tudo que reluz é ouro, pode ser o capeta disfarçado.
— Cuidado pai, ela gritava ao telefone.
— O “capeta” pode vir em outras formas também, a tecnologia, a modernidade pode ter ajudado ele a reluzir de outras maneiras e te enganar. Não se iluda, compra um cavalo para te ajudar aí, “Bença” e fica com Deus.
Eluciana Iris
Eluciana Iris Almeida Cardoso é natural de Campo Belo-MG, Brasil. Reside em Belo Horizonte, é escritora, poeta, nutricionista, professora, palestrante, bacharel em direito
Membro do Núcleo de Letras Y Artes de Buenos Aires.
Membro da Academia Luminiscence Francesa
É Vice-Presidente da Academia Mineira de Belas Artes
Escreve quinzenalmente para o Jornal Clarín Brasil