Por *Jornal Clarín Brasil JCB – Belo Horizonte em 02/09/2020 às 10hs45mins
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou que uma candidata negra excluída do sistema de cotas de um concurso do Ministério Público seja readmitida no processo para o qual foi aprovada no ano de 2018.
O desembargador Teófilo Caetano proferiu que a economista Rebeca da Silva Mello, 28, foi eliminada do certame porque a banca examinadora considerou que ela não sofreu discriminação por ser “bonita” e não ter características físicas associadas pessoas negras, como “cabelo crespo, nariz e lábios salientes e a cor da pele negra retinta” – escreveu o juiz na decisão.
Segundo o magistrado, o Cebraspe, organizador do concurso, adotou em relação a Rebeca um critério “subjetivo” e no sentido inverso do sistema cotas, “destinado a eliminar e reparar desigualdades históricas”.
Em manifestação feita à Justiça durante o processo judicial aberto pela candidata, que é economista de formação, o Cebraspe afirmou que, para ingressar pelo sistema de cotas, a pessoa deve ser considerada parda e possuir também “características fenotípicas de pessoas negras”.
Rebeca, que, de acordo com a decisão judicial, comprovou ser descendente de quilombolas, prestou concurso, em 2018, para técnico administrativo do MPU (Ministério Público da União), cargo cujo salário inicial é de cerca de R$ 7.000 por mês. Após ter passado na prova, ela foi chamada para uma entrevista para verificar suas características de negra, como o fenótipo. Uma banca formada por três avaliadores, porém, desclassificou a candidata por considerar que ela não tinha direito ao sistema de cotas, a julgar por sua aparência miscigenada.
A economista entrou com ação na Justiça e ganhou. O Cebraspe recorreu da decisão. Agora, na segunda instância, Rebeca ganhou novamente por 3 votos a 2 e espera ser nomeada após a pandemia de coronavírus.
Em sua defesa na Justiça, o Cebraspe disse “o fato de uma pessoa ser não branca não significa reconhecer compulsoriamente que seja negra”.
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“O pardo, para fins da política de inclusão em foco, deve ser entendido como o preto de pele clara, e deve apresentar, independentemente de ter a cor de pele mais clara, características fenotípicas de pessoas negras, as quais serviram ao longo de sua vida como obstáculo, colocando-o à margem da sociedade”, disse o advogado do Cebraspe, Daniel Barbosa Santos.
De acordo com o Estatuto da Igualdade Racial, a população negra é formada por pessoas que se declaram pretas ou pardas, os critérios definidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A legislação não prevê que, para ser elegível ao sistema de cotas para negros, o candidato tenha que ter sofrido ou sofre discriminação.
Para Rebeca, o argumento do Cebraspe não tem nenhum sentido. “Eu sou negra, mas não posso ser para o sistema de cotas? É uma loucura”, disse.
O desembargador Teófilo Cateano viu “preconceito” nas afirmações do Cebraspe. Para ele, tratou-se de “análise estética”.
Somente as negras [ou] pardas que não apresentam traços estéticos socialmente estabelecidos como padrão de beleza são as que sofreram discriminação social e preconceito racial e estariam habilitadas a ingressar no serviço público pelo sistema de cotas?”
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Teófilo Caetano, desembargador
O magistrado disse que, ao contrário, critérios “superficiais e especulativos” sobre “quem ‘realmente’ sofrera preconceito” avivam preconceitos “nefastos”.
O recurso apresentado pelo Cebraspe TJ teve à época a concordância do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Após a decisão do tribunal, à qual não cabem mais recursos, procuradora Olinda Elizabeth Cestari afirmou ao UOL que só concordou com a anulação da sentença sem entrar no conteúdo da questão se Rebeca era negra ou não. “Eu sempre defendi as pessoas”, disse.
Considerada negra e, depois, branca
Rebeca comemorou a vitória judicial, mas disse lamentar que situações como a vivida por ela façam os adversários das políticas afirmativas justificarem a ideia de que elas devam ser extintas.
“Quem é contra o movimento negro usa isso para dizer que não vai dar certo, que é discriminatório. O que era para melhorar está criando uma dissidência sem sentido nenhum”, afirmou.
A economista também foi aprovada no concurso do Itamaraty, com salários de R$ 17 mil por mês. Foi considerada negra e, depois, branca. O caso está em curso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região desde 2017.
Banca nega preconceito
Procurado pelo UOL, o Cebraspe negou ter havido preconceito no concurso e disse que as características físicas da candidata a impediam se ser selecionada como cotista. “De forma alguma há, na apelação deste centro, menção a padrão de beleza ou qualquer argumento de cunho preconceituoso”, afirmou a assessoria da organização do concurso.
“A banca avalia se o candidato possui características físicas de uma pessoa negra, por meio da verificação da textura dos cabelos, da cor da pele, entre outras. Esse procedimento é feito por banca composta por membros com experiência em políticas públicas de enfrentamento ao racismo”, disse o Cebraspe.
*Fonte: UOL