“Aprendi a viver com a leveza de não carregar comigo, a cada segundo, o peso do tempo”
Por Jornal Clarín Brasil JCB/ Academia Mineira de Belas Artes – Belo Horizonte em 03/10/2020 às 06hs14mins
O Peso Do Relógio
Autora: Paloma Bernardino
Há cerca de um ano, comprei um celular que veio (não tão de brinde assim…) com um desses relógios inteligentes. Além de contar meus passos e monitorar os batimentos cardíacos, o relógio hiper-moderno também me diz as horas! Basta girar o pulso para a esquerda, e como mágica… A hora é informada.
Eu e o relógio dividimos bons momentos, exceto quando ele descarregava e me deixava completamente à mercê do meu relógio biológico (que não funciona muito bem…). No entanto, o ponto decisivo de nossa relação foi quando eu o esqueci em casa. Notei sua falta da forma mais casual possível. Girei o pulso automaticamente e nada senti. Nenhum peso, nadinha. Também não havia nenhuma hora informada lá. Meu coração disparou, mas os batimentos também não estavam sendo monitorados mais.
O relógio ficara em casa e eu, preocupada. Mas era só um dia e, afinal, eu ainda poderia voltar à forma antiga de ver as horas: pelo celular. Porém, a tarefa foi muito mais difícil do que eu pensava. Eu girava o pulso toda hora, como se eu estivesse com uma câimbra muito estranha. Girava, girava e nada. Auto censurava meu corpo por simplesmente não perceber que não havia relógio lá, portanto, não tinha nenhuma necessidade de se movimentar de forma estranha. Havia lá, entretanto, um vazio, uma leveza… A leveza da falta do peso do relógio.
Um peso que pensara que sempre carregaria. Que aquele dia seria o último sem a companhia do meu relógio inteligente (ou de qualquer um). Agora, a necessidade do relógio é quase inútil. Obrigada, quarentena. Meu pulso não mais gira automaticamente. Aprendi a viver com a leveza de não carregar comigo, a cada segundo, o peso do tempo. Exceto quando meu relógio biológico finalmente funciona e me acorda às 5h da manhã em um domingo. Obrigada, quarentena!
Abraços,
Paloma Bernardino Braga
Coordenadora Pedagógica e English Teacher na rede CNA (CNA Ouro Preto BH), graduada em Letras (licenciatura em português) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestranda em Linguística na área de Textualidade e Textualização em Língua Portuguesa pela mesma universidade. Autora dos livros Doutora da Alma (Penalux, 2016), O Voo da Borboleta (Amazon, 2017) e A Princesa da Escuridão (Clube de Autores, 2014).