A fé na poesia pode nos salvar. E fui salva!
Por Angeli Rose – Jornal Clarín Brasil JCB/Academia Mineira de Belas Artes – Belo Horizonte em 21/11/2020 às 00hs50mins
Angeli Rose
Minha vida vira e mexe tem seus caminhos assaltados por pensamentos e escritos de Cecília Benevides de Carvalho Meirelles, a nossa poetisa, que conhecemos desde idade tenra, se lembrarmos dos compêndios escolares. Contava com quatro anos no ano do falecimento de Cecília (1964), mas cresci com ela por perto e no meu coração. No curso de declamação era certa a presença de Cecília Meirelles como autora a ser apresentada nas audições de piano e poesia. Recordo que sem entender muito bem declamava como ensaio para meu pai, ao pé da cama no horário de descanso dele, Retrato, poema de grande visibilidade e, claro, “eu não tinha esse rosto de hoje”.
Essa escorpiana, nascida em 7 de novembro de 1901, de olhos azuis como duas bolas de gude a enfeitarem aquele semblante simpático, acompanhou por fotos e livros a minha formação. Mas o episódio que cruzou meu cotidiano e como salteadora da estrada direcionada para a literatura, quer como professora, quer como escritora, foi o dia em que contando histórias me vi diante da neta de Cecília Meirelles. E agora por ocasião da homenagem feita a essa escritora vejo-me diante dos flahs que há mais de 15 anos se sucederam. Passo, então, a narrar brevemente tal como percebi o acontecimento inesperado que muito me alegra quando minha memória cede às atribulações do dia-a-dia e transborda a alegria de sentir Cecília mais perto de minha sensibilidade.
Houve um tempo em que integrei o grupo de contação de histórias “Podes Crer” e participávamos de eventos universitários prioritariamente. Num desses eventos dos eventos programados sobre o aniversário de Cecília Meirelles, se estivesse viva (Já não lembro o ano exato!) coube a mim apresentar Retrato. Adulta, doutoranda em Letras, muitos anos de docência, vi-me às voltas com a plena compreensão daquele poema e todo o sentimento de empatia despertado ante a nostalgia disparada pelos versos da sensível autora. O evento seguiu o roteiro previsto com o grupo de contação incumbido de apresentar repertório novo baseado em diversos poetas da Literatura Brasileira. Dito e feito. Porém, um pouco antes de “entrar em cena” alguém sussurrou que a neta de Cecília estava na plateia. Recordo como se fosse hoje: gelei, ou melhor, atualizando o vocabulário com a cibercultura, congelei. Por instantes, senti-me incapaz de prosseguir com a escala de apresentações. Minha vez chegara e nem os olhos podiam ser fechados para enfrentar o desafio de ficar diante dos olhares atentos e curiosos, quiçá, críticos. Nenhuma outra possibilidade poderia ter acontecido.: Gaguejei nos primeiros versos e cheguei ao ponto de esquecer um ou outro verso do poema tão íntimo de minhas atividades direcionadas pelo “direito à literatura” já naqueles anos.
Congelada e depois enfrentando o esquecimento indesejado, imagino que o “retrato” de minha face não devia estar muito agradável de ver (Se fosse como hoje que as selfs imperam, o mico estaria registrado e difundido com algum meme!). De repente, escuto os primeiros aplausos que se intensificaram com outras mãos se agitando no ar. Aquilo fora o estopim para compreender a potência dos versos de Cecília entre os convivas, assim como para perceber o profundo desejo de presentificar a poetisa oferecendo meu corpo e minha expressão por completo.
Lembro-me de apenas ver uma mulher de pele clara e cabelos escuros, magra, a minha frente, sorrindo, olhar solidário e se agitando em apoio a mim (na minha percepção pró-contadora!). Era a neta de Cecília Meirelles, a escritora carioca conhecida de muitos brasileiros, nascida no Rio Comprido da cidade do Rio de Janeiro. A intuição avisara que era ela, a representante e canalizadora de toda a admiração que a então pesquisadora identificara. Entretanto, a fé na poesia pode nos salvar. E fui salva! Respirei fundo, pedi licença e desculpas para recomeçar minha performance . De onde tirei forças, leitor, leitora? Ora, da memória afetiva de Cecília e de sua obra àquela altura bem mais conhecida por mim como poeta, cronista e educadora, signatária do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, este escrito por Fernando Azevedo, ladeados por Anísio Teixeira, o expoente do movimento que impactou a educação brasileira.
Recomecei e apresentei Retrato como se contasse uma breve história da nostalgia de um tempo que se foi. Nunca mais esqueci este episódio. A lembrança de descobrir dentro de mim a admiração, como poeta e leitora, por todo o legado que Cecília nos brindou na história da Literatura Brasileira e também universal, tanto como autora e tradutora, foi como ter o alumbramento por uma estrela no céu da inesgotável Poesia que acompanha a caminhada da humanidade.
Aprendi e aprendo com esta mulher escritora de ontem, hoje e sempre, Cecília Meirelles, em nossas memórias, assim como escreveu: Aprender é sempre adquirir uma força para outras vitórias, na sucessão interminável da vida.
Angeli Rose é carioca, geminiana, autora de Biografia não autorizada de uma mulher pancada, livro impresso infanto-juvenil, entre outras produções autorais, com participações de coautoria em antologias nacionais e internacionais. É Dra. Em Letras (PUC-Rio),PhD em Educação(UFRJ) e atualmente faz o segundo pós-doutoramento em Letras, também na UFRJ. É Vice-Presidente da ALB/Campos-RJ, idealizadora e coordenadora do “Coletivo Mulheres Artistas”, atividade de âmbito nacional que reafirma o artivismo voltado para o empoderamento da mulher na área cultural. Tem sido agraciada com diversos prêmios e títulos honoríficos, porém, destaca a Comenda Antônia Leitão (ALB/Campos/Câmara Municipal), a Medalha Marielle Franco (Literarte/Casa Olodum) e o troféu Eva Perón como “Embaixadora da Paz” (Literarte/NLABA),Doutora Honoris Causa em Educação, pelo Instituto de Altos Estudos Samarthianos/Febacla. http://lattes.cnpq.br/4872899612204008
Muito legal!!! Parabéns