Dias desses outra amiga comentou como estava estupefata com o nível de vaidade de uma suposta amiga. Esbravejava na medida de sua mágoa
Por Angeli Rose – Jornal Clarín Brasil JCB News – Belo Horizonte em 05/12/2020 às 11hs18mins
Há muito que venho querendo introduzir este assunto: Amizade e inimizade entre mulheres. Não é tema novo, mas considero ser de suma relevância, uma vez que as questões de gênero ocuparam em definitivo os espaços linguísticos, sociais, político, científico, econômico e afetivo nos dias de hoje. Certo? Mas se você, leitor e leitora (e leitore) tem dúvidas e algum receio em concordar logo comigo, essa feminista inconteste que sou, faço o convite para que me acompanhe numa breve deambulação verbal.
Recentemente, uma amiga contou-me empolgada que assistiu ao filme “Duas rainhas”, que aqui passo logo a ficha pra você: Direção de Josie Rourke e um time bem interessante de atores e atrizes, como Saoirse Ronan (Mary Stuart); Margot Robbie (Elizabeth I), ambas indicadas ao Oscar; Jack Lowden (Lord Damley); Joe Alwin (Robert Dudley) e outros tão bem preparados quanto esses. De que trata o filme? Minha amiga rápida acelerou a fala, ansiosa, para me contar ao telefone. Nada como ouvir a voz de pessoas queridas ao telefone depois de 9 meses de isolamento com possibilidades de intensificação da ação do Corona vírus, não é? Mas ela explanou algumas sequências fílmicas, quase caindo naquela tentação de ser detalhista, o que acaba gerando certo desinteresse em quem escuta – como é próprio dos tempos imediatistas em que vivemos. Os mesmos tempos que afastam as pessoas sem que nos apercebamos que estamos há um mês sem ver um filho, há mais de 4 sem encontrar com amigas para dar boas risadas e há muito mais sem viajar para visitar um por do sol diferente ou um museu do desejo acalentado faz anos. E ainda acreditando que não estamos afastados porque, afinal, nos falamos todos os dias por whatsapp!
Num carinho por mim e em nome de nossa amizade de mais de 30 anos, concedi o tempo necessário para que me contasse com entusiasmo sobre o filme que a empolgara tanto por sugerir um feminismo naquelas personagens de época. Ah! Desculpe leitor, leitora, nem contei o enredo do longa-metragem ainda. A título de penúltima curiosidade: minha amiga assistiu num dos canais fechados que assina, não foi no telão do cinema. Calma! Antes que você diga que “não é a mesma coisa”. Ela tem uma tevê de 75 polegadas, portanto, é cinemão em casa. Aliás, estou com saudades das sessões que ela promovia nas noites de quartas-feiras, com um vinhozinho e nacos de queijos bem escolhidos que só ela sabia combinar. Outro dia conto como aprendi um pouco sobre vinhos e queijos antes da pandemia com essa amiga. Embora, tenha, ainda que sozinha, promovido noites memoráveis em minha companhia dançando, lendo ou assistindo a um filme. Bem aqui, sozinha, mas nada solitária.
“Duas rainhas”, o filme, é baseado no livro “Queen of Scots: The True Life of Mary Stuart”. Contexto da realeza: Maria Stuart (1543 – 1567) ou Maria da Escócia, como era conhecida, conspira contra o trono sem sucesso ao final. A narrativa aborda o famoso episódio do Reino Unido sobre o exato momento em que as vidas de Mary Stuart e Elizabeth I, primas, se cruzam, mas com tempero de ficção, já que não há registros de que foram inimigas ou adversárias em algum momento. Através de “falas” de terceiros são instadas à desunião e ao desentendimento. A primeira torna-se rainha da Escócia, e a segunda assume o trono da Inglaterra. Stuart volta para a Inglaterra viúva e é vista como uma ameaça, tanto por ser católica como por ser a sucessora do torno em caso de Elizabeth não casar e não ter herdeiro. Essa tensão e desconfiança sobre Mary Stuart são os ingredientes necessários para uma narrativa de tom conspiratório durante todo o filme. Sugiro que o leitor ou a leitora assistam à obra cinematográfica. Vale conferir, se ainda não foi o caso.
Então, depois de minha amiga me situar e me convencer a ver o filme, comecei a meditar sobre essa questão da competição entre mulheres, sobre a Sororidade ser mais do que discursiva e sobre o cruzamento da luta de classes e as questões de gênero. Lembro-me de outro filme sobre a escravidão em que a senhora branca tinha raiva da escrava jovem porque seu marido, o senhor da fazenda ia todas as noites visitar (à força) a escrava preferida de seus apetites sexuais. E todas as noites a estuprava, mesmo depois de casada. Agora não me recordo do título do filme. Lembro ainda da hostilidade entre brancas e negras em “Estrelas além do tempo”. Enfim, a lista já pode ser comemorada como longa.
E me pergunto exatamente “como chegamos aqui?” Tal qual no diálogo quase no final, em que Mary Stuart pergunta (se) o mesmo. São meditações graves disparadas por confidências de amigas que hoje posso contar-lhes sem dizer as santas. Dias desses outra amiga comentou como estava estupefata com o nível de vaidade de uma suposta amiga. Esbravejava na medida de sua mágoa. No relato entremeado por soluços e algumas pragas atiradas na direção da outra registrava que as relações ficaram hostis, porque a outra, a praguejada, lá ficara incomodada com as conquistas e realizações que a mais próxima de mim estava alcançando. “Ela, dizia-me, tinha mania de tomar conta da roupa dela, implicava com certas iniciativas, e tudo em nome de uma ética que ela a autora das repreensões não sustentava”. Muita confusão? Hipocrisia? Exatamente foi o que pensei também. O fato é que vira e mexe uma amiga me confidencia que está incomodada com a inveja má de uma, ou com a incompreensão ante uma saída da dieta, enfim, cada uma com suas reclamações.
Mas a questão principal era examinar até que ponto as rivalidades femininas, ou a competição entre mulheres é um discurso criado por homens, ou é a falta de entendimento do que pode estar sombreando as relações entre mulheres?
Não vou esgotar o assunto hoje e agora, mas quero ao menos, nessa caminhada meio sem ponto de chegada único, compreender por que algumas relações de amizade se deterioram quando aparentemente não há nada que justifique tal estado extremo. Se não houve roubo, traição, ou morte, o que pode levar ao término do vínculo? Ou será que nunca houve de fato um vínculo efetivo? Eu sei de alguns casos em que a fulana era amiga da beltrana, mas a beltrana beldade não era amiga da fulana, somente da cicrana. Como aqueles namoros de adolescência em que você acha que está namorando o cara, porém, ele ainda não sabe (e nem quer saber!). Acontece que quando se trata de mulheres adultas com algumas afinidades eletivas expostas, eu diria que não caberia tal autoengano, não? Não. Digo-lhe um sonoro não! É necessária muita observação e atenção aos sinais para você perceber se há um divórcio entre atos e discursos por parte de sua “amiga”.
Já consolei muitas amigas, pacientemente, porque descobriram mentiras ou iniciativas que indicavam haver competição entre elas. Assistimos a isso todos os dias e ainda bem que não estamos mais em costumes de cortar a cabeça. Cortamos ou cancelamos aquela cabeça pouco ou muito pensante de nossas vidas, porque hoje parece mais fácil, parece, com um “bloqueio”. Ou as “amigas” que não curtem nada do que você posta, ou está sempre sem tempo pras suas lives. Isso tudo no contexto da tecnologia em voga. Mas há também alguns comportamentos que se repetem ao longo dos anos com as amigas que vivem pegando a roupa mais nova emprestada, até estreiam por você; as que não devolvem os livros emprestados; aquelas que paqueram exatamente o carinha que você estava de olho; ou as que saem correndo para tratar o trabalho que você comentou estar querendo; ou ainda a amiga terceirizada que não gosta de você e faz de tudo para afastá-la das amigas de mais tempo. As situações são muitas e bem criativas e às vezes inusitadas. Outro dia, uma amiga contou-me que a parceira lhe confidenciara que chegou a fazer-se a seguinte pergunta mentalmente: “Como fulana agiria nessa situação?” E dada à resposta mentalmente, fez exatamente o que a colega faria. Ela era um modelo, uma referência, o que parece ser elogioso e até amoroso, não fosse a iniciativa ser semelhante à da amiga. A frase mais comum dos últimos tempos ouvida: “- eu não voto nessa aí…”. Reafirmando aquela de que “mulher não vota em mulher” por puro preconceito. Os resultados tímidos das ultimas eleições municipais demonstraram isso. Ainda temos município em que não há uma vereadora sequer eleita. Tem aquelas também que dizem não gostar de muita mulher junta, ou que não sabe trabalhar com mulher, mesmo sendo uma mulher experiente.
Enfim, afora minhas amigas com suas contradições e problemas, o fato é eu percebemos as dificuldades para aceitar o sucesso de uma amiga sem que a comichão da inveja toque a todos/as causando um fio de despeito misturado com o de admiração? Mas repare: uma mania não tratada pode estar indicando outra realidade interior, a de que neurose não tratada pode virar questão de caráter.
Eu tenho vivido a experiência de ter idealizado e estar coordenando um coletivo cultural de mulheres, tudo nele só acontece na base da colaboração e do voluntariado. Essa pequena amostra tem me ensinado muito acerca das relações femininas. Logo percebi que há as simpatizantes e as colaboradoras. E a proposta é possibilitar um protagonismo em rodízio. Também há a indicação de mulheres que querem ajudar a pensar a condição da mulher na contemporaneidade e com isso desenvolver ações culturais em que a mulher ganhe visibilidade e reafirme sua identidade, para além de seu trabalho.
Então, há momentos em que precisamos nos perguntar: O que está acontecendo em torno de mim? Eu estou dando atenção a minhas amigas? À família, à filha? E diante de uma resposta em que se está cansada de ouvir “mais ou menos”, você tem o estalo e entende o porquê da amiga estar tão “esperta” ou livrando-se de sua lealdade. Fato é que em você doeu. Sentiu o distanciamento da amiga gargalhando, a mesma responsável pela falta de coragem para contar algo tão determinante como o fato de que copiou sua ideia e foi à luta, Diga-se de passagem: ideias boas devem ser partilhadas e as ruins também, porque assim é possível transformar qualquer uma em melhor, por negação ou por reafirmação.
Essa ideia de que é “instinto”, ou é difícil mulher poder confiar em mulher, é balela, pois se o caso fosse da biologia, então não teríamos mulheres amigas de mulheres nunca. E se adotássemos a ideologia de que é questão de ser “ruim”, a “mulher é assim”, você estará reforçando o mito a ponto de realmente ficar difícil mulheres se unirem. Lembre-se de que as mulheres foram oprimidas por diversos séculos pelos homens, sem poderem se expressar adequadamente, e assim tiveram de encontrar diferentes meios de comunicação. O que teria de sido feito de Shehezade sem a sua irmã nas noites dedicadas à contação de histórias ao Califa algoz?
Mas insisto na pergunta: Como chegamos até aqui? Para que durante a semana você pense, leitor, leitora, sobre as suas relações com mulheres? É de rainha para rainha, por exemplo? Ou de sacerdotisa para sacerdotisa, a dona das discussões filosóficas no Tarô, porém, aquela que em silencio cria o enredo que lhe interessar para livrar-se de uma parceira ou amiga do modo mais insensível depois. É possível que seja traiçoeira e de voz baixa. Pense melhor até que ponto se está reforçando a desunião entre as mulheres para sustentar os – ismos que não nos interessam mais: machismo, individualismo, racismo, entre outros (?).
Estamos no mês do Natal! Você terá tempo…
ANGELI ROSE é colunista do Jornal Clarín Brasil – JCB News semanalmente; professora há mais de 20 anos; Dra. em Letras, Ph.I em Estudos Filosóficos(ALB/Campos-RJ); e Ph.D. em Educação(UFRJ);Escritora, carioca, contadora de histórias e geminiana. É Dra.h.c Multi em Educação, Literatura e Belas Artes. É “Embaixadora da Paz” (OMDDH) e também com o troféu Evita Perón e a Medalha Marielle Franco (LITERARTE); Comendadora e Chanceler Master em Educação (Braslíder); idealizadora e coordenadora do Coletivo Mulheres Artistas ;é associada a várias academias e associações literárias; autora dois e-Books acadêmicos (Editora Atena); tem participação como coautora selecionada em antologias nacionais, inclusive da ABL (2004), e internacionais; Recebeu prêmio por projeto de pesquisa da ‘Fundación María Zambrano’ na Espanha; palestrante; e é autora de “BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA DE UMA MULHER PANCADA”. http://lattes.cnpq.br/4872899612204008
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Excelente texto. Parabéns