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Retrospectiva? Tô nem aí… Por Angeli Rose

É possível que o leitor não se escandalize com minha fala, posto que o “sentimento de brasilidade” parece algo vago e menos fundamental para a vida brasileira

Por Angelo Rose – Jornal Clarín Brasil JCB News – Belo Horizonte em 20/12/2020 às 11hs27mins

 Retrospectiva? Tô nem aí…

                                                                     

Não quero saber hoje nem de Isa Penna, tampouco de daquela senhora – como é o nome mesmo dela? Aquela que ainda fala em “menino veste azul; menina veste rosa”.  Tem razão, a profundidade da reflexão filosófica sobre vestimenta de gênero foi d atual ministra da “Mulher, família e direito humanos”. Também não desejo insistir nos mais de mil dias sem a resposta sobre “quem mandou matar a vereadora carioca Marielle Franco”. Chega de pensar no juiz que emitiu a pior das opiniões que um operador do Direito poderia emitir, já que recebe proventos do contribuinte (e muito bem pagos!) ao dizer que “não quero saber de lei Maria da Penha!”. Imagina se eu digo para u aluno meu em algum momento que não quero saber sobre o sentimento de brasilidade no Romantismo Brasileiro e algumas diferenças para o sentimento de brasilidade no Modernismo brasileiro?! 

É possível que o leitor não se escandalize com minha fala, posto que o “sentimento de brasilidade” parece algo vago e menos fundamental para a vida brasileira, se comparado com a chance de um marido ameaçar ou matar a sua mulher, ou ex-, por simplesmente não ver o cumprimento da lei Maria da Penha (aquela senhora que anda em cadeira de rodas até hoje, definitivamente, porque o ex-marido foi violento com ela e a tentou matar). Afinal, o valor que sai do tesouro nacional para pagar a minha hora/aula, quando estou empregada, ou a bolsa de pesquisa ,quando consigo disputá-la, é irrisório, se comparados ao valor dos salários dos juízes, aqueles que devem apoiar os outros “juízes pela democracia”. Desculpe, não quero falar dos juízes, porque nesse país aqui falar contra juízes ou alguns dos seus malfeitos é buscar desentendimentos, criar inimigos e certamente ter seu nome numa das listas, as mesmas que o governo federal atual com o setor de inteligência mantém, só que por “controladores de vôos” de pensamentos. Acha que exagerei? Não vamos pensar mais sobre isso, mas preste atenção nos casos que alguns conhecidos contam sobre processos que demoram e poderiam aliviar a vida de muita gente que foi criar caso com juiz, ou amigo de- antes de dizer em pensamento dirigido a mim que “tô nem aí…”

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Capa de celular encontrada em mercado popular.

Olha leitora, essa semana não quero falar de notícia requentada como a juíza que emitiu opinião leviana sobre a Marielle Franco e recentemente recebeu uma promoção. Eu quase comecei a reacreditar em “Papai Noel”. Tampouco vou retornar aos dados de julho deste ano em que são apontados que as denúncias de violência contra a mulher aumentaram 37%,porque é bem capaz de alguém pouco espirituoso dizer por que tanta ansiedade por pedir medidas restritivas contras os agressores de mulheres? Mas que o sucesso do projeto da Baixada Fluminense do RJ em que a mulherada tá aprendendo técnicas de defesa pessoal é um índice interessante, lá isso é…

Certo ,vou mudar de assunto. Que tal falar da quantidade de anúncios de venda de bebida alcóolica, na praia, no verão que chega às festas de fim de ano? Em seguida vou articular isso ao aumento de número de casos de violência doméstica já que os hábitos de consumo aumentaram, o mau humor aumentou a intolerância de estar sob o mesmo teto com a companheira por causa da pandemia, ou a perda de emprego que em vez de unir mais o casal passou a impactar cotidiano negativamente. Ele bebe mais e parte pra cima dela na frente dos filhos e agregados.

 Eu sei. Você está pensando em desistir e me deixar aqui. Fora os que já me deixaram pensando que de novo essa semana vou fazer uma crônica de reclamações em que a retrospectiva irá marcar posição sobre os absurdos do noticiário brasileiro em relação à condição da mulher brasileira. Coisa de feminista chata e com Covid-19. Tô nem aí…

Já inventaram um artigo sobre alienação parental de leitor? Digo, leitoral? É aquele que o autor entra na justiça contra o leitor alegando que foi abandonado por desinteresse do leitor ou da leitora sobre o “bem estar” do autor, ou melhor, do texto a ser lido, o filho da autora, aproveitando aquela menção simbólica clichê em que escrever e lançar um livro, ou criar um texto é como ter um filho e coloca-lo no mundo. Ora, daí para fazer uma analogia com a questão de “alienação parental” é um pulo no pensamento. Concorda? Vai dizer que é exagero. Fere a liberdade de expressão do leitor diante da liberdade de expressão do autor, no caso, autora (?).

A LEI Nº 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010 [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm], portanto, assinada durante o governo daquele barbudo, agora nem tanto. Aliás, cadê ele? Tá de Lua de mel ainda? Tô nem aí…Então, de repente deu uma nostalgia daquele barbudão no meio do povo, cabelos ainda fartos e escuros, mãos em punho levantadas pela fábrica, pelas lutas dos trabalhadores. Ih! percebi que esse negócio de retrospectiva fica meio perigoso no desvio dos afetos. Olha, a sexagenária já tem história pra contar que testemunhou nesse país que certamente a leitora –influencier tá nem aí… O mercado não se prende muito a isso, sabe? 

Então, a lei foi uma iniciativa muito boa, porque chama à responsabilidade esse homem que achava que era só ter o filho ou filha e se quisesse e pudesse dava-lhe atenção, respeito e dignidade àquela filiação. Mas se engana quem pensa que é só em função da ausência de genitor homem, porque também diz respeito à maternidade. E, principalmente, àquele joguinho horrível de desqualificar o genitor de maneira que lhe retira a autoridade frente ao filho, ou faz o filho crescer com imagem distorcida sobre o ex-parceiro ou ex-parceira. Nossa! Quantos futuros casais com problemas são germinados ali na discórdia de tais jogos emocionais? Há outras situações exemplificadoras. O quê? Tô nem aí…

Pois é, é disso que me interessa falar: sobre o quanto o filho autoral pode ser prejudicado, abandonado, porque o autor de repente não confere a atenção adequada, partindo logo pra “outra” criação. E no caminho ainda encontra uma má política que não apoia o livro por parte do governo, ou de editoras engolidas pelas grandes editoras que só querem saber de filhos campeões, bem ao estilo americano. Tudo isso é besteira? Falta de assunto? Ué? Mas todos aqueles assuntos do início são repelidos por você leitor, leitora, como cansativos já que o noticiário cotidiano apresenta-lhe desde “Hora 1”, ou o jornal das 5h:35min. que você poderá ler pela internet. Inclusive, aqui. Falar de quanto o leitor também é responsável por não ler. Se o autor cria para o mundo seu filho, o texto, caberá ao leitor cuidar desse “filho”. E se o leitor não lê nada, como o autor, ou a autora poderá cuidar sozinha desse “filho”? Exagerei novamente? Acho que a leitora, ou o leitor, esqueceu que a leitura é uma prática social relacional, paradigmática da existência humana, e, portanto, uma atividade de encontro. 

A leitura é encontro (não daquele programa daquela ex-jornalista, hoje apresentadora de TV, por favor). Criar, educar um filho é a arte do encontro no cotidiano, ainda que seus genitores possam estar separados, o que não impede o encontro de princípios, de valores, de propósitos, de esperanças e de sonhos para um filho. O mesmo é com relação ao encontro de autor e leitor, através do texto. Ainda que de vidas distintas, ou mesmo de épocas históricas diversas, poderá haver um encontro em que a leitura promotora de aproximações revele algumas familiaridades e até dissonâncias entre as subjetividades em jogo, ou entre as almas em questão. Portanto, no “encontro” dificilmente penso que seremos capazes de dizer “tô nem aí…” para o que venha a suceder entre nós, leitor e texto/autora, por exemplo.

Talvez essa tenha sido uma das grandes lições de Machado de Assis em seu tom conversacional com o leitor implícito de seus textos. Lembro-me de O Alienista em que o autor a todo o momento recorre à memória, às disposições mais internas e sentimentais do leitor para seguir com a narrativa oralizada sobre as histórias da Vila de Itaguaí. Antes que o leitor fizesse o movimento de abandono na célebre frase “tô nem aí…”, Machado de Assis coloca na boca do narrador: “E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a Vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua.” Ele não fez isso somente nesse texto, mas em Memórias póstumas de Brás Cubas; Memorial de Aires; Esaú e Jacó, enfim, um recurso para evitar que o leitor sinta-se fora do processo de dar vida ao texto escrito. Processo de leitura em que o leitor, ou a leitora, entenda de uma vez por todas que a leitura de qualquer texto é sempre uma responsabilidade compartilhada, assim como é a capacidade de responder ao apelo do texto.

E nesse sentido, Machado também escreveu com acuidade sobre o “instinto de nacionalidade” (de 1873, in: Novo Mundo) na literatura de sua época, mas que deixa um legado importante para nossa percepção de hoje. Em realidade, o texto curto a que me refiro é o emblemático “Notícia da atual literatura brasileira. Instinto de nacionalidade [file:///C:/Users/User/Documents/TEXTO%20instinto%20Nacionalidade.pdf”]. Ele contava com 33 anos quando publicou esse texto, lembro o leitor, ou a leitor, sobre nosso autor de referência. Faço então aqui uma breve articulação entre o sentimento de brasilidade lá do início desta crônica, passando pela noção de parentalidade (e alienação de um filho que, portanto, requer compromisso para coloca-lo e ampará-lo no mundo como um legado) e o instinto de nacionalidade. Assim, estaremos nas esferas tanto da recepção como da criação para promover exatamente o “encontro” entre subjetividades. O que esse sentimento de brasilidade tem a ver com tudo isso? 

Selo postal do Brasil de 1940 Machado de Assis

Selo de centenário do nascimento de Joaquim Maria Machado de Assis

Escreveu Machado: “Devo acrescentar que neste ponto manifesta-se às vezes uma opinião, que tenho por errônea: é a que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto local, doutrina que, a ser exata, limitaria muito os cabedais da nossa literatura”. E por quê? Talvez, porque falar ou escrever sobre o que é “local” não seja garantia de que se compreenda o que faz algo “local” ou não. Mais adiante no brilhante e instigante texto crítico, Machado de Assis escreve ainda: “O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”. É essa intimidade que interessa compreender, ou pelo apontar como o aspecto que pode envolver o leitor no encontro que é a leitura. O escritor que manifesta essa “intimidade”, isto é, esse sentimento relacional que dá a ver que o autor está comprometido com aquilo que o toca, impacta a ponto de fazer a sua expressão buscar modos de tratar o que lhe passa, o que lhe impacta em seu cotidiano, sendo ou não fato de seu cotidiano. E tal compreensão pode também impactar o leitor e com isso chamar para a responsividade o leitor, ou a leitora. 

É por isso que o autor que trata em sua obra, grande ou pequena, em poesia ou prosa, nos romances ou contos, em ensaios, crônicas, enfim, dessa intimidade com as coisas, os assuntos, os temas, que o afetam, certamente, ele estará levando o leitor consequente a ver em si essa intimidade com as situações de vida por que passa. E nisso pode residir a força e a potência da literatura e da brasilidade que nela encontre-se. Não há de ser panfletário o texto. Nem pintar os personagens de verde e amarelo necessariamente, mas há que dar a ver que a observação e a análise são atitudes fundamentais para que o texto apresente intimidade com os costumes, os hábitos e as crenças do povo a que se refere ou quer atingir. Escreve Machado advertindo o escritor, ou melhor, o poeta: “Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e nada mais. Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os seus toques, e que estes sejam naturais, não de acarreto”.

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Fortuna crítica machadiana aumentou: lançamento de Djalma Augusto, historiador, sobre parte da obra de Machado de Assis, colega de AVL. 

Então, ao escritor que consegue envolver seu leitor a ponto de fazê-lo perceber a “cor local”, isto é, o que nos faz sermos o que somos, ou a chegarmos ao que somos, é certo que o sentimento de brasilidade deverá chamar o leitor para si em reflexões. Mas posso imaginar que o leitor que é convocado assim para redimensionar a intimidade com suas crenças acerca da realidade com a qual lida, no caso as realidades brasileiras, diversas e variadas, com que lida através da literatura. E esse leitor, ou leitora, assim como o escritor que assim faz não estarão promovendo o famoso “tô nem aí…”,porque será quase que impossível ficar insensível ao novo mundo criado diante de si, que é o que cada texto literário faz, criar um outro mundo único e singular para ser encontrado e encontrar(-se) com o leitor e sua subjetividade. 

Agora aguardo cada leitor, leitora, fazer a sua retrospectiva de 2020, esse ano tão atípico, com certo ar de “universal” trazido pelo sobressalto da pandemia, mas ao mesmo tempo um ano em que a brasilidade está pulsante. E com certeza que não é porque andam querendo impor a presença do hino nacional nos pátios escolares ou porque vejo mais pessoas barulhentas enroladas em cangas com a reprodução da bandeira do Brasil, ou ainda porque estes mesmos barulhentos estão vestindo a camisa do Brasil, não pela seleção brasileira de futebol, porém porque acreditam que são mais brasileiras do que outros que pensam de modo diferente, a ponto de quererem empurrar-nos para uma ilha ou outro país. A esses, valeria a leitura do “instinto de nacionalidade” de Machado de Assis, tanto para compreenderem o que pode ser a “brasilidade”, como para conhecerem o escritor mais universalmente brasileiro que temos em nossa cultura.

Angeli Rose | MINHO DIGITAL

Angeli Rose é colunista semanal no JCB, a convite do amigo e presidente da AMBA, Paulo Siuves; pós-doutoranda em Letras na centenária UFRJ em pesquisa sobre o Rio de Janeiro dos anos 20, além de ser idealizadora e coordenadora do Coletivo Mulheres Artistas. Carioca, geminiana, terapeuta holística e educadora para a Paz (UNIPAZ-RJ),além de ter sido agraciada este ano com o Prêmio Internacional Machado de Assis (FEBACLA),entre outros títulos honoríficos que vem recebendo em reconhecimento ao seu ativismo cultural. Doutora em Letras e Phd em Educação (UFRJ),Dra.h.c. Multi em Literatura, Educação(Instituto de Altos Estudos Sarmathianos) e Belas Artes(CONCLAB). É autora de Biografia não autorizada de uma mulher pancada, entre outros. http://lattes.cnpq.br/4872899612204008 https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=217908 Facebook : capitu nascimento https://www.facebook.com/capitu33/

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Acima, foto da autora, Angeli Rose: Prêmio Internacional Machado de Assis,2020.

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