Por Angeli Rose – Jornal Clarín Brasil JCB News – Belo Horizonte em16/01/2021 às 10hs05mins
Não sei você, mas eu costumo ter muita atenção par o figurino de um filme, de uma minissérie, de uma peça de teatro que fosse assistir – está no passado por causa da pandemia do “Corona Vírus” e o isolamento social a que fomos obrigados seguir – de um vernissage, enfim, com que roupa se vai a uma cena ou a uma história também me importa. Leio outros símbolos e índices da narrativa que estiver a minha frente, entretanto, se for um filme é mais intensa ainda a experiência que me acontece. Por isso também me chama a atenção acompanhar, em certa medida, a premiação à categoria “figurino” nos grandes festivais em geral. Não estranhe o título da crônica, pois se trata do verso-título do samba de Noel Rosa (Com que roupa? https://youtu.be/rETSGoLBjjk) que sempre me vem à cabeça quando penso em moda, figurinos e ocorrências próximas, traduzido para a língua Yorubá.
Sou também impactada quando leio em alguns noticiários de programas de variedades, por exemplo, que a roupa de uma apresentadora ou o vestido usado por tal personagem em alguma cena tornou-se o “it” do momento da moda em curso de uma estação. Minha ideia de moda há algum tempo que foi influenciada pela leitura do filósofo e crítico literário Roland Barthes em seu clássico de 1979, Sistema da moda. O autor conseguiu aplicar e desenvolver a Semiologia, disciplina do campo semântico, de tal forma que mostrou como os significados podem ser construídos pela mente humana e impactar o meio ,ou mesmo contribuir para contar uma história. Ele soube conferir a esse fenômeno cultural que é a moda um sistema de relações com a linguagem que dão a ver muito do mundo em que vivemos.
Entre indumentária, traje e vestuário; e linguagem, língua e fala, o crítico expõe sobre o “traje” que corresponde à “fala”: ‘[…] uma realidade individual, verdadeiro ato de “vestir-se”, pelo qual o indivíduo atualiza em si a instituição geral da indumentária’. Já a moda estaria diretamente relacionada com a “indumentária”, não sendo a mesma coisa. Sobre a moda: ‘[…] a moda é sempre da alçada da indumentária. […] não está ligada a esta ou aquela forma particular de vestuário, mas que é unicamente um problema de ritmo, um problema de cadência no tempo.’
Recordo, então, que desde as primeiras leituras e releituras de Barthes, meu olhar sobre roupas ficou bastante adensado a ponto de na leitura literária também dar a ver alguma complexidade na construção de personagens. E se me pego imaginando algum traje em específico para um personagem, logo paro e vejo até que ponto ele é do contexto da narrativa ou uma projeção que achei que podia estar fazendo.
No entanto, se você gosta de “moda” e de acompanhar a narrativa que ela tem escrito sobre as mulheres, por exemplo, há outros livros que deve conhecer com certeza, como O Império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas de Gilles Lipovetsky (1987). O livro causou o maior frisson na época pela abordagem impiedosa da sociedade contemporânea dando a ver que a moda seria o menos pior em termos de frivolidades cotidianas, ao contrário, ela estaria mais com a potência libertária. Sobre a produção industrializada da moda escreve: ‘O que faz a diferença é cada vez menos a elegância formal e cada vez mais as performances técnicas, a qualidade dos materiais, o conforto, a sofisticação dos equipamentos; o estilo original não é mais privilégio do luxo, todos os produtos são doravante repensados tendo em vista uma aparência sedutora, a oposição modelo/série turvou-se, perdeu o seu caráter hierárquico ostentatório. ’
Em Moda: uma filosofia (2010), Lars Svendsen, nesse livro é possível encontrar uma palestra que o filósofo proferiu em 2009 no Brasil em seminário de que participou, além de um trânsito por diversos pensadores como Kant, Walter Benjamin, entre outros, mostrando que a moda está presente em diferentes níveis da existência humana. E há o clássico de Thomas Carlyle, Sartor Resartus (2013) há edição do Kindle, nesse a noção de tecer está para o tecido social, se você quiser pensar para além da moda.Nem Machado de Assis deixou de aplicar a sua astúcia, escritor arguto que foi, depois de certamente entrar em contato com os escritos de Carlyle. Vale voltar à releitura de alguns contos como O espelho com a ideia de retomada de “o hábito faz o monge”; e em O Empréstimo (“Como deveis saber, há em todas as coisas um sentido filosófico. Carlyle descobriu o dos coletes, ou, mais propriamente, o do vestuário”). Na edição de John Gledson de 2007 é possível encontrar notas que apoiam uma leitura apurada do autor. Então, saindo da literatura para os filmes, é possível que você se lembre da refilmagem de O grande Gatsby, com Leonardo de Caprio que levou o Oscar de 2014 na categoria “figurino”, criação de Catherine Martin. No filme, a década de 20 fora estilizada através do belíssimo e impecável figurino. E a título de curiosidade apenas, a primeira filmagem de 1974 foi com o inesquecível Robert Redford interpretando Gatsby e Mia Farrow como Dayse Buchana (Oscar de trilha sonora adaptada, 1975).
Na premiação do Oscar do cinema americano adiada para abril, entre os mais cotados e indicados, seremos tomados por figurinos de época, só nos chamados filmes de “repescagem” é possível encontrar a atualidade em Baile de formatura com Nicole Kidman e Mary Streep no elenco. Tudo indica que ficará mais uma vez a cargo da festa de entrega a observação de tendências e escolhas feitas pelos presentes.Mas se você tem vontade de conhecer algo diferente, não se limite ao Oscar, há inúmeros festivais anuais de outros países que são muito interessantes em termos de produção artístico-cultural. E se quer ver moda para além dos longos rodados ou não de Hollywood, há em Toronto no Canadá o TIFF (Festival Internacional de Cinema de Toronto) que hoje em dia tornou-se para alguns o “esquenta” pro Oscar. Pensamento americanista que quer manter a hegemonia de Hollywood no centro de todas as questões sobre cinema. Mas há em Toronto ainda o Scarborough Afro-Carib Fest 2021 que tem data estimada para agosto, com transmissão pelo You Tube, inclusive. O interessante nesse festival, para além de toda produção artística que é mostrada, ampliando nossa visão de cultura, é que os trajes religiosos de teor de resistência importante estão presentes, porém, não são somente aqueles que definem identidades das culturas africana e caribenha. A diversidade dentro da etnia africana também se torna fator de provocação e reflexão.
No Brasil, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2020 premiou como Melhor Figurino Marina Franco por A Vida Invisível. O filme é ambientado no Rio de Janeiro de 1950. Mas foi Bacurau o filme que dominou o festival em 2020.
Entre os vários festivais pelo mundo, além dos mais conhecidos por nós, Cannes, Veneza ( e Habana Film Festival, Cuba; Biberach Independent Film Festival, Berlim; FEMCINE – Festival Cine de Mujeres, Chile; Festival Punto de Vista – Festival Internacional de Cinema Documental de Navarra, Espanha; Festival de cinema de mulheres de Créteil, França; Festival Internacional de Cinema de Bradford, Inglaterra; Dockanema – festival de filmes documentários, Moçambique; INDEX – Festival de Cinema e Experimentação, Portugal, para citar só alguns) vale sair pesquisando como a moda tem “se comportado” entre tons de cinza e muito mais cores na palheta social.Até a próxima! Ti o dara ìparí! (Bom final de semana!)
Angeli Rose é carioca, geminiana, professora de Literatura há mais de 30 anos, pesquisadora na interface educação e Literatura (Ph.D. em educação/UFRJ),atualmente, dedica-se a coordenar o “Coletivo Mulheres Artistas”, um coletivo cultural que dá visibilidade à produção de mulheres no cenário lusófono e a realizar o segundo Estágio pós-doutoral na centenária UFRJ, agora em Letras. É membro de diversas academias e associações e tem sido agraciada com diversos prêmios e títulos honoríficos, como o de Embaixadora da Paz pela OMDDH, signatária da ONU, Prêmio Internacional de Literatura machado de Assis (FEBACLA), Medalha Marielle franco (Literarte). É autora de Biografia não autorizada de uma mulher pancada, impresso infanto-juvenil, e tem participação em diversas antologias nacionais e internacionais como a Palavreiras (Autographia),Além da Terra, além do céu (Chiado books), além de ser colunista do Jornal Clarín Brasil JCB – (digital) e mensalmente da Revista Cultive da Associação Cultive de Literatura, Arte e Solidariedade.
Belas referências cinematográficas!
Aplausível sua referência ao tema contextualizado a do Noel Rosa.🌷
Obrigada, querida leitora, pela atenção. Até a próxima semana! AR
Muito bom. Parabéns pelo ótimo texto
Obrigada pela leitura!
grata pela leitura carinhosa!
AR