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ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS – Por Angeli Rose

Desconfio se estaria “escrito nas estrelas” o fim da vida de Marília Mendonça de tantos
outros artistas e personalidades do mundo Pop


Angeli Rose/Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 07/11/2021


Quando alguém morre, principalmente, em circunstâncias trágicas como foi a morte por
acidente de avião de Marília Mendonça, artista jovem de 26 anos, carreira em ascensão,
boa convivência com os fãs e com os colegas de profissão, segundo inúmeros
depoimentos emocionados postados profusamente nas redes sociais, diz-se
reiteradamente “ era a hora…”. O que isso quer nos dizer sobre a finitude da vida?

Marília Mendonça está grávida de seu primeiro filho
Marília Mendonça em entrevista – 2019.

Podemos pensar um pouco sobre a sugestão da existência de um destino, de um plano
“superior” que teria controle sobre nossas vidas, a despeito de crenças religiosas que
promovam ou não a continuidade da vida no modo “eterno”, isto é, com outra forma de
estar em outro mundo. Pode-se pensar também na comoção nacional de que somos
testemunhas nas mortes de: Agostinho Silva, Leila Diniz, Mamonas Assinadas,
Cristiano Araújo, os atletas jogadores do time da Chapecoense e muitos outros: Pare o
avião!/Seu comandante por favor/O anjo da poltrona 7 na janela/É meu amor(Pare o
avião, M.M.). Ironia “do destino” quis que o avião de Marília Dias Mendonça parasse
aqui para este mundo e nos deixasse. Que amor ela poder ido encontrar?


Então, o que a morte recente de Marília Dias Mendonça, ídolo pop traz para reflexão,
além do luto reatualizado de outros corpos insepultos e enterrados que um ícone de uma
cultura provoca?


Amei sozinha, mas por dois
Me conformei que agora, e não depois
Vou ter que seguir em frente (Ausência,M.M.)


O Pop surgiu por volta dos anos 50 nos EUA e no Reino Unido e se caracterizava por
conferir e reconhecer a dimensão do “popular” em obras musicais. Um pouco depois,
assumiu também a mistura de gêneros e recursos estéticos; para hoje tratar-se de um
fenômeno, principalmente, na área musical. O Pop gerou prêmios, comportamentos
típicos e um hibridismo que daria a ver as relações de força entre os gêneros
midiatizados.

O Sertanejo no Brasil seguiu um caminho interessante em relação ao Pop, e Marília
Mendonça soube representar muito bem isso. Mas o gênero musical começou
representando e identificado com o meio rural, o country – importado dos EUA – e
classes sociais relacionadas a fazendeiros, donos de terras e trabalhadores rurais, além
das comidas que os tropeiros estabeleceram como tradição no país de dimensão
continental. A grande mídia televisiva e impressa não dava muito espaço para o que
vinha acontecendo no meio sertanejo, com exceção de alguns programas para público
específico do gênero, como o de Inezita Barroso, assim mesmo em horário considerado
pouco nobre.


Todavia, o Sertanejo durante muito tempo fora identificado com o caipira, sendo objeto
de inúmeras piadas do repertório popular brasileiro, quer pelo linguajar e ocorrências
linguísticas específicas (é só lembrar-se do “r” velar, também tecnicamente chamado
retroflexo, ou gutural, dependendo da realização no aparelho fonador). Por isso, muitas
vezes, ao ouvirmos as gravações e mesmo shows de alguns artistas sertanejos e nativos
de certas regiões do Centro-Oeste brasileiro, não identificamos tais situações
linguísticas, porém, ao ouvi-los em entrevistas radiofônicas ou televisivas, mais
recentemente nos podcast, observamos a riqueza do linguajar brasileiro e o chamado “r”
vibrante. E vice-versa, o caipira identificado com o Sertanejo.


Só muito depois, midiatizado, o gênero Sertanejo ganhou os palcos televisivos e dos
mega-shows de uma indústria que foi crescendo e se construindo à revelia do que o
gênero oficial brasileiro, o Samba, poderia supor e admitir. Lembro que nos idos 80 do
século passado começara um movimento de resistência cultural forte, uma vez que dava
visto o arrefecimento do Samba nas listas de sucesso e salões cariocas e paulistas.
Criava-se certa animosidade entre os ativistas dos gêneros e até uma disputa por
visibilidade e espaços comerciais, incentivado pelas grandes gravadores que esperavam
conquistar corações, mentes e bolsos pagantes de CDs e agora plataformas digitais
musicais.


Sei que me afastei da dimensão existencial anunciada no início da crônica, mas o
contexto breve que montei quis pincelar o tanto de aspectos que estão envolvidos numa
simples manifestação cultural ou num produto cultural abraçado em um momento
histórico por parcela ou quase totalidade da sociedade, no caso, a brasileira. Foi
também, o desejo mais uma vez de exercer o ativismo cultural e lembrar ao leitor e à
leitora, leitores em geral, que defender a cultura é mais do que simplesmente defender
gostos, populares ou não. É compreender a complexidade e a riqueza do espírito
humano com a certeza de não tocar nunca na sua totalidade., inclusive, perceber o qual
inesgotável é o real, como sempre dizia o orientador do mestrado em Educação,
Leandro Konder – lição fundamental e fundadora de meu pensamento crítico.


Ocorre-me a “quadrilha” de Marília que é “Pop” ante a Quadrilha de Carlos Drummond
de Andrade: Quem eu quero, não me quer/Quem me quer, não vou querer/Ninguém vai
sofrer sozinho/Todo mundo vai sofrer (Todo mundo vai sofrer, M.M.). E a capacidade
humana de recriar infinitamente temas seculares como o Amor não correspondido. Ou a
inovação de uma voz feminina que canta o não-desejo, antes impensável de ser dito:

Estranho/Você me beija e minha boca estranha/O seu carinho parece que arranha/O
seu abraço é tão solto, não consegue me prender (Estranho,M.M.)


Desconfio se estaria “escrito nas estrelas” o fim da vida de Marília Mendonça de tantos
outros artistas e personalidades do mundo Pop. Desconfio mais por ignorância do que
por certezas que possa ter, ainda que leia aqui e ali sobre o assunto em comentários e
teorias científicas ou religiosas, ou espiritualistas. Mas consigo perceber que a assertiva
“estava escrito nas estrelas” tem uma verdade máxima evidenciável: a vida é finita e
pode estar eminente à revelia de nossos desejos, sonhos e projetos. Por outro lado, ela
assombra pela lembrança trazida de nossa ignorância acerca da vida humana, com todos
os avanços da medicina e da tecnologia.

Marília Mendonça e Ferrugem sobem ao Palco Arena Divinaexpo nesta  quinta-feira. - Portal G37 - Portal Jornal Blog Notícias de Divinópolis e  do Centro-Oeste de Minas Gerais.
Marília em show – 2019.

No que tange a comoção nacional que uma morte como a de Marília gera, podemos
pensar sobre o fato de ser essa uma das implicações da vida Pop em que o artista Pop
vive ou a sociedade que acolhe e produz o Pop vive. A escala Pop gera também mortes
pops. A perda é Pop. E o feminismo sertanejo é Pop. A sofrência é Pop. Isso está
parecendo até o anuncio do “agronegócio”. Tudo é “agro”. Ou tudo é “Pop”. Não que
não tenha havido na história cultural dos povos manifestações intensas e grandes diante
da perda de ídolos culturais ou poéticos. Entretanto, de fatos isolados podemos assistir à
profusão de velórios e cortejos em série: Dalva de Oliveira, Elis Regina, Airton Senna e
todos aqueles a que me referi anteriormente. Se a vida acelerada na contemporaneidade
supera a cada minuto os acontecimentos, sem até permitir que se viva o luto em seu
aspecto saudável de elaboração da perda, da ausência e da saudade, de outro lado, a
mesma vida acelerada permite que acumulemos, ou colecionemos em pouco tempo de
história de vidas o testemunho de acontecimentos marcantes para nossas biografias.
“Você virou saudade aqui dentro de casa…”

Filho de Marília Mendonça mostra nova habilidade e rouba a cena em vídeo -  Purepeople
Marília Mendonça e o filho Leo – 2021

Nós, sobreviventes da Pandemia dos anos de 2020-21, poderíamos imaginar
testemunhar tantas perdas seguidas, num continum tamanho que levou a enxergar
finalmente, o descaso com que autoridades brasileiras lidaram com finitude da vida? Ou
a insensibilidade de corruptos que roubaram em meio à tragédia da Pandemia? Por mim
posso responder que não. Mas na ficção, sim, sabemos que à luz do que já ocorrera em
séculos passados, catástrofes e pandemias foram anunciadas e minuciosamente descritas
e narradas. O inesperado é outra riqueza das histórias que escrevemos com as
experiências por que passamos.


Pela força e potência da obra de Marília Mendonça, que foi inscrita no panteon das
estrelas brasileira e latino-americanas pode-se refletir sobre a presença do Feminismo
que penetrou pelo cotidiano de muitas mulheres ultrajadas e que no linguajar e na
poética considerada simples e direta da artista conseguiu tocar e conscientizar muitas
dos absurdos do machismo reinante no cenário cultural do Sertanejo e na sociedade
brasileira em geral. Chorar a expoente desse feminismo, sem bandeira empunhada, é
chorar a perda da voz que contava por nós mulheres com força de indignação ante os
abusivos discursos e ações machistas: Alô porteiro/Tô ligando pra te avisar/Que esse
homem que está ai/Ele não pode mais subir/Tá proibido de entrar (Alô , porteiro!
M.M.)


Mas a obra fica, e torna imortal aquela que tão bem soube expressar-se: “E quando se
der conta, já passou/Quando olhar pra trás, já fui embora…” ( Sei de cor,M.M.). e por
isso, para além dos óculos no palco, acessório necessário e tão inaceitável em outros
tempos, nela, mostrava a mulher-artista e comum, naquilo que o “comum” pode
promover de convivência social solidária e de sororidade. Do mesmo modo sua “fofura”
que deixava à mostra a mulher “fora de forma”, obesa, que a sociedade do jovem e dos
corpos “trabalhados” rejeita, foi mais um ato de resistência feminina aos modelos
impostos. A sofrência cantada em todos os cantos de Marília não era a volta simples da
canção de Amor de sofrimento dos anos 50, tão bem cantada por Dolores Duran,
Lupicínio Rodrigues, Angela Maria e tantos nomes do cancioneiro popular brasileiro,
mas a voz que canta a constatação do fim do amor e o reconhecimento de que é
necessário seguir a vida, porque tolerar o ultraje, a infidelidade, por exemplo, está fora
de questão, como diz a canção premiada ,fenômeno nacional e internacional, Infiel :
Iêêê, infiel/Eu quero ver você morar num motel/Estou te expulsando do meu
coração/Assuma as consequências dessa traição.


Enfim, estava escrito nas estrelas, sim, pela lógica do mundo contemporâneo, tais como
estão organizados os modos de produção e criação Pop que uma estrela da grandeza de
Marília Mendonça só poderia comover multidões.


“Para sempre, em todos os cantos!”. Segue Marília Mendonça, nossa estrela, mulher e
sertaneja.

ANGELI ROSE é carioca, mãe de Thiago Krause, professora há mais de 25 anos,
autora de “Biografia não autorizada de uma mulher Pancada”, livro solo e impresso,
entre outras produções autorais, como dois e-books e impressos da editora Atena(
Reflexões sobre experiências de Leitura e algumas contribuições do mito de Don Juan;
e Jornalismo Cultural: um exercício de Valor. Tem coautoria em antologias nacionais e
internacionais e é colunista do Jornal Clarín Brasil – JCB News digital; Doutora em Letras; PhD em Educação
(UFRJ) e faz o segundo pós-doutoramento em Letras/UFRJ. Pesquisadora premiada
(Fundación María Zambrano, Málaga/ ES); Fundadora e Coordenadora do “Coletivo
Mulheres Artistas”; Presidente do Instituto Internacional Cultural Em
Movimento(IICEM); foi agraciada com prêmios e títulos honoríficos, como a “Medalha
Marielle Franco”(Literarte); “Embaixadora da Paz”(Literarte e OMDDH); É membro de
academias e associações de Letras, Artes e Ciências, nacionais e internacionais; Atua
em prol do “direito à literatura”. .http://lattes.cnpq.br/4872899612204008 //
@angeliroseescritora // https://angelirose.recantodasletras.com.br/ //
https://www.facebook.com/capitu33/

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