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Paciência, ciência da paz – Por Angeli Rose

Nas redes, a sedução, a contemplação, o jogo não são elementos bem-vindos, porque desnecessários para que o processo de comunicação (rápida e objetiva) se desenrole.

Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 14/04/23

O culto narcísico da autenticidade é corresponsável pelo embrutecimento crescente da sociedade                                                                                                                                                                                               ((Byung-chul Han, in: O desaparecimento dos rituais)

A violência contra as escolas chegou as nossas escolas brasileiras. Não é de hoje. Mas até poucas semanas o episódio de Columbine (EUA), que ainda completará no próximo dia 20 deste mês 24 anos, era a referência mais forte e citada, para professores, alunos e famílias, quando se evocava algo para ilustrar uma fala sobre a violência no momento contemporâneo. Porém, ela chegou. Está entre nós, através dos episódios  da Creche Bom Pastor; da Escola Estadual Thomazia Montoro em São Paulo; até a escola Tasso da Silveira que no último dia 7 completou 12 anos, ocorrido na Zona Oeste do Rio de Janeiro. 

Pode-se dizer que a violência está em toda parte na sociedade contemporânea. A topologia da violência dá-nos a impressão de que há certa ubiqüidade e onipresença dessa “entidade” que ocupa nosso cotidiano, mas também habita em nós.  O já histórico e emblemático * de janeiro de 2023 no brasil é icônico no que tange essa forma ampla de ocupar espaços da violência. Lembremos que o episódio de golpistas contra a Democracia atacou os 3 Poderes da República. Nas ruas, já se sabia, embora haja lugares mais suscetíveis à violência tipicamente urbana. Entretanto, parece que há um fator, sem demonizá-lo, que dá liga, articula, tudo indica que amálgama até sensibilidades, suscetibilidades, e discursividades reativas, as redes sociais fomentadas na cultura digital. 

Recordo, numa breve digressão, que impactada por Guernica de Pablo Picasso, visitei 4 dias seguidos o Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madri, para contemplar o quadro e deixar-me submergir nas impressões e percepções comoventes que ele disparou em mim. Emoções que se atualizam com as guerras que meu tempo tem mostrado.

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(Guernica, 1937,pintura à óleo)

Aliado a esse fator muito potente que são as redes sociais é necessário pensar algumas características do mundo em que vivemos que no meu entender colaboram para o “sucesso” das redes sociais naquilo que elas têm de mais (in)destrutível : certa perda da intimidade, de maneira que as postagens são mais diretas ,sem cerimônias, ou mediações para os alcances interpessoais. Nas redes, a sedução, a contemplação, o jogo não são elementos bem-vindos, porque desnecessários para que o processo de comunicação (rápida e objetiva) se desenrole. E faço aqui a observação com as palavras do filósofo que me inspira em vários pensamentos. Escreve Byung-Chul que falar do desaparecimento dos rituais não é com a veia “saudosista”, mas como “contraponto” para melhor caracterizar o presente.

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(Filósofo e professor da Universidade de Berlim)

Vivemos numa sociedade da imediatez, da transparência sem aderência, da guerra pela fidelização, da consciência extrema da finitude que leva, por vezes, à falta de utopias para alguns. A sociedade do narcisismo, do individualismo, que cria o tempo todo subterfúgios e recursos para evitar a Dor: a dor de envelhecer; a dor da desigualdade; a dor do luto; a dor  da solidão; a dor de ser negro numa sociedade de perspectiva racializada  e racista; a dor de ser mulher numa sociedade que subcatgoriza ainda a mulher e os homossexuais; a dor de existir, de ser e não ser.

Como então as escolas, a Educação pode lidar com esse “caldo” tão espesso que a violência gera e que agora escorre pelo chão da escola? Sem a pretensão de querer encontrar todas as solução, e ao mesmo tempo prestando atenção nas iniciativas em curso e que virão, por parte do governo com políticas públicas, penso em me ater a apenas um ponto por hoje. Se conseguirmos ter menos reatividade em nossa mente com nossos corpos ,talvez consigamos diminuir bastante esta sede que encontrou uma expressão tão popular : ter sangue nos olhos.  É importante desnaturalizar a expressão. É importante que ver com as crianças os personagens de desenhos que fazem saltar de suas vistas raios de ódio e insatisfação.

É preciso resgatar a capacidade de contemplar, para além das estrelas e luas cheias, que favorece a reflexão, mede a palavra a ser usada e dita. É preciso fazer desde tenra idade a criança e o jovem compreenderem o que dentro de si comicha e faz a vontade relâmpago querer logo “partir” para cima do Outro. Isto não quer dizer que disciplinaremos nossos corpos e vontades a ponto de não agir ante injustiças e desigualdades. Isto quer dizer que será cada vez mais necessário compreender o que move cada um(?) como gesto de resistência, contra o fluxo da aceleração e da pressa. Saber o que mobiliza num fundo de cada um para ir em uma ou outra direção(?).

Ter paciência com o próximo, aliás, o mais próximo de cada um: você mesmo; ter paz+ciência, com licença poética das palavras, como a vida exige de nós licenças para que nossos sonhos e anseios possam também se realizar.

“Faça amor; não faça guerra”, slogan conhecido que muitos creditam a John Lennon, porque pacifista e muito evocado nas décadas de 60. Em realidade, a máxima, surgiu com o casal de apaixonados, Tchecoeslovaca Olga Fikotová e americano Hal Connolly, Quem sabe valha repeti-lo sem parar para esvaziar-se do discurso e deixar-se preencher pelos sentidos ante “Faça amor; não faça guerra”?

Há muito trabalho por fazer, cidadãos e cidadãs, no entanto, ele já foi iniciado e está esperando por nós para que honremos as crianças e seu tempo do porvir.

ANGELI ROSE é professora, pesquisadora, carioca, mãe de Thiago Krause, tem vários
títulos honoríficos, atua intensamente no âmbito cultural, mas atualmente revê todas as conquistas, redimensiona as escolhas feitas e as parcerias estabelecidas, porque ao final e ao cabo, tudo pode escafeder-se em poucas horas, ou pela guerra mundial, ou pelo individualismo vigente que desmancha tudo o que parece sólido ainda.

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