A tecnologia avançou e nos trouxe maior comodidade, mas perdeu um pouco do charme da época.
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 07/05/23
Quando abri o Facebook em uma manhã dessa semana, deparei-me com uma lembrança que fez meu coração bater mais forte: uma foto do disco de vinil de “Os Saltimbancos”, aquele álbum com Miúcha, Chico Buarque e outros artistas que marcou minha infância. A capa já trazia em si a magia e o encantamento que a música carregava. Não pude deixar de lembrar da música que mais me encantava na época, “O jumento”, com sua letra sábia e melodias alegres.
O jumento, segundo a música, é um velho sabido que já está prevenido contra os perigos da cidade. E como ele tem razão! A cidade é uma senhora estranha que sorri hoje e pode devorar você amanhã. Mas, apesar dos riscos, não podemos deixar de nos encantar por suas luzes, sons e movimentos. E os belorizontinos que o digam, afinal, a Praça da Savassi com seus encantos e seduções, é um exemplo perfeito de como a cidade pode nos fascinar e nos inspirar.
Lembro-me bem de quando ouvia ‘Os Saltimbancos’ no antigo toca-discos, com seus ruídos e falhas que, na época, pareciam ser parte da própria música. Hoje, com a tecnologia digital, posso ouvir as mesmas músicas com uma qualidade impecável, mas ainda sinto falta daquele som analógico que fazia parte da minha memória auditiva. Ouço as músicas na plataforma de streaming e, por mais que a qualidade seja excelente, ainda sinto falta da sensação de que o disco poderia pular a qualquer momento nos trechos que havia o risco no vinil. A tecnologia avançou e nos trouxe maior comodidade, mas perdeu um pouco do charme da época.
Mas, mesmo em meio à nostalgia, as notícias atuais nos lembram que a obra de Chico Buarque ainda está viva e recebendo importantes reconhecimentos. Recentemente, o cantor e compositor brasileiro ganhou o prêmio Camões, um importante reconhecimento da literatura em língua portuguesa. É uma grande notícia para os fãs de sua obra, e uma prova de que a música e a literatura brasileiras continuam a ser valorizadas ao redor do mundo.
Quem sabe um dia, quando eu for um velho ‘sabido’ como o jumento da música, poderei olhar para trás com saudades dessa cidade estranha que um dia chamei de lar. Mas, por enquanto, prefiro me perder nas melodias dos Saltimbancos, me deixando levar pela alegria da coreografia que meus irmãos e eu inventamos, e pelo encantamento da música que ainda ressoa em minha alma. A cidade, assim como o álbum dos Saltimbancos, pode ser um lugar de magia, encanto e sedução, mas também de perigos e incertezas. Cabe a cada um de nós escolher como viver nela e apreciá-la em toda a sua complexidade.
Paulo Siuves é escritor, bacharel em Estudos Literários pela Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-presidente da Academia
Mineira de Belas Artes, Embaixador Cultural da Academia de Letras do
Brasil, músico e agente de segurança pública em Belo Horizonte, e escreve
semanalmente para o Jornal Clarín Brasil