Minha crônica não pode se limitar a um lamento pelo passado, mas deve ser um chamado à ação, inspirando a construção de um futuro diferente
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 21/05/23
Sabe aqueles textos do Facebook que te agarram pela lapela e não saem mais do seu pensamento? Pois é, eu li um desses textos… No aconchego de uma tarde ensolarada, sentei-me em frente ao meu computador com a mente repleta de histórias clamando para serem contadas. Entre tantas narrativas possíveis, uma em especial chamou a minha atenção, uma história compartilhada no perfil da minha amiga Inez Basso, de Curitiba. Essa história ecoou em minha mente: a triste saga das mulheres perseguidas e queimadas vivas em nome da superstição e do medo. Essa história ecoou em minha mente, despertando a consciência para as diversas formas de opressão enfrentadas pelas mulheres ao longo da história e até à sociedade contemporânea.
Viajei no tempo, mergulhando nos relatos sombrios vindos do século XV e XVI, quando a caça às bruxas assolou comunidades inteiras. Por trás das chamas que consumiam corpos inocentes, havia uma verdade oculta que ecoa nas sombras da história: as mulheres foram erroneamente acusadas e perseguidas, sendo vítimas de um sistema de opressão que explorava o medo e a superstição. Não foram bruxas que queimaram, assassinaram mulheres. Mulheres como minha mãe, como minhas irmãs, iguais à minha amiga Inez Basso… Eram mulheres reais, como você, leitora amiga.
Eram tempos obscuros, onde a diversidade da feminilidade era mal compreendida e temida, resultando em estereótipos e preconceitos que marginalizavam e ameaçavam mulheres de diferentes origens e características. Ser bonita demais, culta demais, inteligente demais ou possuir uma plantação próspera podia despertar a desconfiança daqueles que viam nas mulheres uma ameaça ao status quo. Uma marca de nascença, um conhecimento sobre fitoterapia, ter estatura elevada ou cabelos ruivos eram motivos suficientes para despertar suspeitas infundadas. Essas características físicas, psíquicas, emocionais, cognitivas e até comportamentais, poderiam ser interpretadas como indícios de práticas malignas, mesmo sem nenhuma evidência concreta, resultando em acusações infundadas e condenações injustas.
Nas épocas sombrias da caça às bruxas, as mulheres eram submetidas a terríveis julgamentos cruéis, onde até mesmo a própria natureza parecia se voltar contra elas. Eram lançadas impiedosamente nas águas, e a sobrevivência desafiadora, por saber flutuar na superfície do espelho d’água, era vista como um sinal inegável de culpa, enquanto a morte as declarava inocentes de qualquer acusação injusta. Penhascos abruptos e buracos profundos se transformavam em tumbas silenciosas e ocultas, engolindo vidas preciosas que carregavam consigo saberes ancestrais ou simplesmente qualquer conexão com os mistérios da natureza.
Entretanto, a perseguição e a opressão não se limitaram a esse período específico, a opressão e as desigualdades enfrentadas pelas mulheres transcendem esse período histórico, estendendo-se até os dias atuais. É importante reconhecer que, além da perseguição durante a famigerada inquisição, as mulheres têm enfrentado outras formas de opressão e injustiças ao longo dos séculos. Minha crônica não pode se limitar a um lamento pelo passado, mas deve ser um chamado à ação, inspirando a construção de um futuro diferente. Ao conhecer esses relatos sombrios, sou convocado a sair de cena para que as mulheres, que foram silenciadas por tanto tempo, alcem suas vozes. Somos chamados a enfrentar as injustiças cometidas, reparar os danos causados e criar um espaço para que a cura e a paz floresçam. Como homem, reconheço a importância de confrontar essas verdades dolorosas, agir com empatia e respeito, e trabalhar em conjunto com mulheres e pessoas de todas as identidades para criar um mundo mais justo e inclusivo.
Não podemos nos resignar à mera consciência dessas atrocidades, é necessário agir com coragem e determinação para construir um mundo onde a história seja recordada como um lembrete das batalhas travadas e vencidas, um testemunho da resiliência do espírito humano e uma luz que guia nossa jornada em direção a um futuro mais igualitário e compassivo. Isso implica em combater não apenas a opressão histórica, mas também os desafios enfrentados pelas mulheres atualmente, como a desigualdade salarial, a falta de representatividade em posições de liderança, o feminicídio e outras formas de discriminação e violência de gênero. Juntos, podemos honrar a memória das vítimas do longínquo passado e do presente, lutar por justiça e equidade, e forjar um futuro onde as experiências de todas as pessoas sejam valorizadas e respeitadas.
Em cada palavra escrita, em cada voz que ecoa pelos séculos, devemos honrar a memória dessas mulheres corajosas que, com sua força inabalável, resistiram até o último suspiro. Devemos olhar atentamente para o presente e questionar as estruturas sociais, culturais e institucionais que, lamentavelmente, ainda perpetuam desigualdades e preconceitos enraizados. Somos chamados a dar continuidade a essa história de luta e resiliência, trilhando um caminho firme e comprometido com a equidade, o respeito e a valorização de todas as mulheres, reconhecendo e valorizando suas características, experiências ou trajetórias de vida. Nossa tarefa é construir uma sociedade que reconheça e celebre a diversidade feminina, criando espaços e oportunidades para que todas as mulheres possam alcançar seu pleno potencial, de forma a transcender as limitações do passado e abrir as portas para um futuro mais justo e vibrante.
Enquanto o sol se despede timidamente no horizonte, guardo com carinho e reverência a lembrança das mulheres notáveis que cruzaram o nosso caminho. Não como bruxas, mas como seres humanos donas das suas próprias vidas, dotadas de uma força incomparável e uma resiliência que desafia todas as adversidades. Elas enfrentaram a opressão com a bravura e a determinação de quem entende que sua mera existência é um poderoso ato de resistência contra as injustiças do mundo. Essas palavras, repletas de significado vão atravessando as barreiras do tempo, encontrando um refúgio acolhedor em meu coração. Elas iluminam o caminho para um novo mundo, onde o respeito, a igualdade e a justiça são mais do que meros desejos, mas sim flores que desabrocham esplendidamente para todos nós. Com cada passo em direção a essa transformação, tecemos uma tapeçaria de esperança, autonomia e liberdade, guiados pela coragem e pelo legado das mulheres que vieram antes de nós.
Que essa lembrança nos inspire a lutar por um mundo mais justo, onde todas as vozes sejam ouvidas, todas as histórias sejam valorizadas e todas as mulheres encontrem a liberdade e a igualdade que merecem. Com determinação e solidariedade, podemos construir um futuro onde a opressão e a discriminação se tornem apenas memórias distantes, e o poder e a força das mulheres brilhem em todo o seu esplendor. Essa é a minha esperança, enraizada no legado e na resiliência dessas mulheres extraordinárias.
Paulo Siuves é escritor, bacharel em Estudos Literários pela Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-presidente da Academia
Mineira de Belas Artes, Embaixador Cultural da Academia de Letras do
Brasil, músico e agente de segurança pública em Belo Horizonte, e escreve
semanalmente para o Jornal Clarín Brasil
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