Apesar de ser um evento factual, a morte está repleta de simbolismo
Jornal Clarín Brasil – JCB News – Brasil 19/08/2024
A finitude é uma característica intrínseca da condição humana. Desde tempos imemoriais, a humanidade tem refletido sobre a natureza do fim da vida, a morte. Este fenômeno, inevitável e universal, é ao mesmo tempo temido e reverenciado, gerando um complexo de emoções e simbolismos que atravessam culturas e épocas.
A morte é frequentemente vista como o fim último, o ponto culminante da existência humana. Em muitas culturas, a morte é personificada como uma figura inevitável e, por vezes, furiosa, que marca o término da vida terrena. A percepção da morte como uma força inescapável e definitiva reforça a ideia de finitude que permeia nossa existência. Este término é frequentemente associado a uma sensação de alívio ou de conclusão, como se a turbulência da vida encontrasse finalmente um repouso.
Na cultura ocidental, a morte tem sido historicamente um tabu. A sociedade moderna faz esforços contínuos para evitar e adiar o inevitável. O avanço da medicina e da tecnologia busca prolongar a vida o máximo possível, muitas vezes sem uma reflexão profunda sobre a qualidade de vida e o significado do tempo adicional. Esta busca incessante pela extensão da vida pode ser vista como uma forma de negação da finitude. Ao evitar a morte, nos sentimos aliviados momentaneamente, mas, paradoxalmente, isso também nos priva de uma compreensão mais profunda do que significa viver.
Apesar de ser um evento factual, a morte está repleta de simbolismo. Em diversas culturas, ela é representada de múltiplas formas, carregando significados que vão além do simples término da vida biológica. Na tradição cristã, por exemplo, Francisco de Assis, no século XIII, referia-se à morte como “irmã de caridade”, uma visão que a posiciona como um evento libertador e benevolente. Este olhar contrasta com a visão da morte como uma maldição ou um fim sombrio, mostrando a dualidade de interpretações que a finitude pode assumir.
A sociedade contemporânea é altamente eficiente em acolher e nutrir o início da vida. Desde a concepção, temos à disposição um arsenal de recursos médicos e tecnológicos para assegurar o nascimento e o desenvolvimento saudável dos novos seres humanos. No entanto, essa mesma sociedade demonstra uma grande dificuldade em lidar com o fim da vida. A morte é frequentemente adiada, e o envelhecimento é visto como um processo a ser combatido, ao invés de ser aceito como uma parte natural do ciclo da vida.
Essa atitude revela um profundo desconforto com a ideia da finitude. A busca por uma vida eterna ou por uma longevidade extrema pode ser interpretada como uma tentativa de negar a transitoriedade da existência humana. No entanto, essa negação pode nos impedir de desenvolver uma relação mais saudável e consciente com a morte e o processo de morrer.
Historicamente, a morte tem sido objeto de profundas reflexões filosóficas e teológicas. No Ocidente, especialmente, a discussão sobre a morte oscila entre considerá-la uma maldição ou uma bênção. A percepção da morte como uma maldição está enraizada no medo do desconhecido e na dor da perda. No entanto, há também uma visão que enxerga a morte como uma bênção, uma libertação da labuta e das tribulações da vida terrena.
O conceito de “cemitério” ilustra essa ambivalência. Derivado do grego “koimeterion”, que significa “lugar de descanso”, o cemitério é visto como um lugar onde os mortos podem finalmente repousar. Essa visão é refletida nas cerimônias fúnebres, onde é comum desejar que o falecido “descanse em paz”. Esta frase encapsula a esperança de que, após a morte, haja um alívio da agitação da vida e um encontro com a serenidade eterna.
Aceitar a finitude é um dos grandes desafios da condição humana. Requer uma mudança de perspectiva, um reconhecimento de que a morte é parte integrante da vida. Ao aceitar a morte, não como um fim terrível, mas como uma conclusão natural do ciclo da existência, podemos encontrar uma forma de viver mais plenamente. A finitude nos lembra da preciosidade do tempo e da necessidade de valorizarmos cada momento.
Em última análise, a reflexão sobre a morte e a finitude nos convida a considerar o que significa viver verdadeiramente. Nos desafia a encontrar significado e propósito na transitoriedade da existência. E, talvez, ao fazer isso, possamos transformar nosso medo da morte em uma aceitação serena do inevitável, reconhecendo que a finitude é o que dá forma e profundidade à nossa experiência humana.
Refletir sobre a finitude e a morte pode parecer um exercício mórbido para muitos, mas, na realidade, trata-se de uma busca profunda por compreender o sentido da vida. Desde tempos imemoriais, os seres humanos têm se deparado com a morte e, consequentemente, com a necessidade de atribuir-lhe um significado. A consciência da nossa própria mortalidade molda não apenas a forma como vivemos, mas também como nos relacionamos com os outros e como percebemos o mundo ao nosso redor.
Em diferentes culturas, a morte é abordada de maneiras variadas, revelando a diversidade de perspectivas sobre a finitude. Na tradição ocidental, muitas vezes a morte é vista como algo a ser temido e evitado a todo custo. Esse medo profundo da morte pode ser observado nas práticas médicas e tecnológicas que buscam prolongar a vida indefinidamente. Embora essas práticas tenham aumentado a expectativa de vida, elas também levantam questões sobre a qualidade de vida e o valor do tempo adicional conquistado.
No entanto, em outras culturas, a morte é encarada com mais serenidade e aceitação. Por exemplo, em algumas tradições orientais, a morte é vista como uma transição natural para outra forma de existência, uma passagem para uma nova vida ou um estado de ser diferente. Essa perspectiva permite uma relação mais harmoniosa com a finitude, onde a morte é integrada ao ciclo da vida, em vez de ser vista como uma interrupção indesejada.
A representação simbólica da morte também desempenha um papel crucial na forma como a percebemos. Símbolos e rituais associados à morte nos ajudam a lidar com a perda e a encontrar um sentido em meio ao luto. Cerimônias fúnebres, monumentos e artefatos culturais refletem nossa necessidade de honrar os mortos e de encontrar um lugar para eles em nossa memória coletiva.
Um aspecto importante da reflexão sobre a morte é a maneira como nos preparamos para ela. Em muitas sociedades, há uma tendência a evitar discussões sobre o fim da vida até que seja inevitável. No entanto, preparar-se para a morte pode proporcionar uma sensação de paz e de controle sobre o próprio destino. Planejar o fim da vida, discutir desejos e vontades com os entes queridos e tomar decisões informadas sobre cuidados paliativos são passos importantes para enfrentar a finitude com dignidade e serenidade.
Além disso, a aceitação da finitude pode enriquecer nossa experiência de vida. Quando reconhecemos que nosso tempo é limitado, podemos nos sentir mais motivados a viver plenamente, a buscar experiências significativas e a valorizar os momentos que temos. Essa consciência da mortalidade pode nos incentivar a cultivar relacionamentos mais profundos, a perseguir nossos sonhos com mais determinação e a viver de acordo com nossos valores mais autênticos.
Por fim, a reflexão sobre a morte e a finitude nos lembra da interconexão de todos os seres vivos. A mortalidade é uma experiência universal, compartilhada por todas as formas de vida. Essa compreensão pode fomentar um senso de solidariedade e compaixão, incentivando-nos a cuidar uns dos outros e a valorizar a vida em todas as suas formas.
Em suma, a finitude e a morte são temas centrais da condição humana que merecem nossa atenção e reflexão. Ao encarar esses temas com coragem e abertura, podemos encontrar um sentido mais profundo para nossas vidas, desenvolver uma relação mais saudável com a mortalidade e viver de forma mais plena e autêntica. A aceitação da finitude não é uma rendição à morte, mas uma afirmação da vida em toda a sua complexidade e beleza. Afinal, é a certeza da finitude que dá significado à nossa existência, nos impulsiona a viver intensamente e a buscar o que realmente importa.
O Dr. Paulo Siuves nasceu em julho de 1971 na cidade de Contagem, Minas Gerais, e é bacharel em Letras pela UFMG. Além disso, ele é autor de dois livros e organizador de coletâneas. Atua como servidor público municipal e faz parte da Banda de Música da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte. Paulo Siuves é colunista nos jornais; Jornal Clarin Brasil e Cultural Rol. Ele possui um Ph.I. em Filosofia Universal e um Dr.H.C. em literatura. Paulo Siuves é ex-presidente e membro fundador da Academia Mineira de Belas Artes (AMBA) e também é membro da Academia de Letras do Brasil nas seccionais Suíça, Minas Gerais (RMBH) e Campos dos Goytacazes/RJ, além de pertencer a muitas outras academias.
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