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“A Música e a Magia do Acaso”

Reunir uma banda pra tocar uma música secular, que não fosse de igreja, era quase impossível.

“A Música e a Magia do Acaso”

Por Paulo Siuves

— Você já parou pra pensar em como somos sortudos? — disse Jorge, enquanto mexia a colher no café.

— Sorte? — respondeu Carlos, erguendo uma sobrancelha. — Sorte de quê?

— Sorte de poder ouvir qualquer música, a qualquer hora. — Jorge deu um gole no café, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Ah, sim. É, de fato, muito conveniente. — Carlos deu de ombros, ainda sem ver onde o amigo queria chegar.

— Pois é, mas você sabia que, na Idade Média, ouvir sua música favorita era um evento raro? — continuou Jorge, se animando. — Talvez só umas três ou quatro vezes na vida.

— Três ou quatro vezes? Que exagero! — riu Carlos. — Como assim? Não existiam bardos, menestréis?

— Existiam, claro. Mas não era como hoje, que você aperta o botão do Spotify e pronto. Músico na Idade Média era artigo raro. Reunir uma banda pra tocar uma música secular, que não fosse de igreja, era quase impossível.

— Impossível? Você é sempre tão dramático, Jorge… — Carlos o interrompeu, rindo de leve.

— Não sou eu quem diz. Li numa revista esses dias. — Jorge sorriu, percebendo a reação do amigo. — O mais interessante é que a música secular era ainda mais rara. Tipo aquela “Carmina Burana”, só quem tinha sorte de estar no lugar certo, na hora certa, ouvia.

— Ah, a boa e velha sorte! — ironizou Carlos. — E quem era o DJ da época? O padre?

— Ha! — Jorge deu uma risada curta. — Não tinha maestro, sabia? Os músicos se guiavam na intuição.

— Isso explica muita coisa… — Carlos riu. — E o que você está me dizendo é que hoje somos sortudos por termos playlists?

— Mais ou menos. O que eu estou dizendo é que, na Idade Média, cada música tinha um significado muito maior por ser tão rara. Imagina viver sua vida toda e só ouvir sua canção favorita uma ou duas vezes?

— Difícil imaginar, mesmo… — Carlos ficou pensativo. — Talvez a gente valorize menos porque está tudo à mão.

— Exato! Acho que perdemos o senso de exclusividade. Hoje tudo é tão acessível que parece até perder um pouco da magia.

— Magia? Ou preguiça? — Carlos riu. — Acho que você está romantizando a falta de tecnologia, meu amigo.

— Pode ser… — Jorge sorriu. — Mas não seria interessante ter esse senso de reverência pela música de novo? Ouvir algo que marca a nossa vida como se fosse um presente raro.

— Sim, mas hoje é diferente. Não dá pra voltar no tempo e fingir que a gente não pode ouvir qualquer coisa no celular.

— Não. — Jorge concordou. — Mas a gente pode aprender a apreciar de novo, com mais calma. Quem sabe, redescobrir o encanto na simplicidade?

Carlos deu um último gole no café, pensativo.

— Talvez… Talvez você tenha razão. Quem diria, hein? Tá quase me convencendo a voltar pra era dos trovadores.

Ambos riram, enquanto deixavam o café e seguiam para o próximo compromisso do dia, ainda refletindo sobre a conversa.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores

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2 Replies to ““A Música e a Magia do Acaso”

  1. E eu também, um ex músico de igrejas, nem percebi toda essa engenharia transformadora em curso, e só esse texto para me fazer despertar e refletir.

  2. Belo texto meu irmão. Parabéns pelo excelente trabalho e por nós proporcionar essa linda reflexão sobre como deveríamos ser gratos pela fartura que temos na contemporâneaidade. Hari om!

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