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O Milagre e a Maldição da Manga

Ele pensou na manga, que tinha sido o melhor presente da sua vida

O Milagre e a Maldição da Manga

Por Paulo Siuves

Ele tinha uma manga. E era uma manga tão grande, tão bonita, tão madura, que ele nem acreditava que tinha encontrado aquela fruta no meio da rua. Era uma rua suja, cheia de lixo, de barulho, de gente. Uma rua que não combinava com uma manga tão perfeita. Mas lá estava ela, caída na calçada, quase intacta, só com um pequeno machucado na casca. Ele a pegou com cuidado, como se fosse um tesouro, e a levou para o seu canto.

O seu canto era um buraco debaixo de uma ponte, onde ele dormia com outros meninos como ele. Meninos que não tinham família, nem casa, nem escola, nem brinquedo, nem nada.

Meninos que viviam de pedir esmola, de catar lixo, de fugir da polícia, de sonhar com um dia melhor. Meninos que tinham fome, muita fome, mas não tinham manga.

Ele não sabia de onde vinha a manga, nem quem a tinha jogado fora. Talvez fosse de alguma feira, ou de algum mercado, ou de alguma árvore. Não importava. O que importava era que ela era sua, só sua, e ninguém podia tirar dela. Ele a guardou debaixo da sua camisa velha e rasgada, e esperou a noite chegar.

Quando a noite chegou, ele saiu do seu buraco e foi para um lugar mais escuro e mais quieto, onde ninguém pudesse vê-lo ou ouvi-lo. Ele tirou a manga de debaixo da camisa e a olhou com admiração. Ela brilhava à luz da lua, como se fosse de ouro. Ele sentiu o cheiro doce e forte da fruta, e a vontade de mordê-la. Mas ele resistiu. Ele queria aproveitar cada momento, cada sensação, cada pedaço daquela manga.

Ele pegou a manga com as duas mãos e a aproximou da boca. Ele mordeu a casca com força, e sentiu o suco escorrer pelo seu queixo. Ele mastigou a polpa macia e doce, e sentiu um prazer que nunca tinha sentido antes. Ele engoliu o primeiro pedaço, e mordeu outro, e outro, e outro. Ele comeu a manga inteira, sem deixar nada. Ele lambeu os dedos, o queixo, os lábios. Ele sorriu, feliz e satisfeito.

Ele se deitou no chão, e olhou para o céu. Ele viu as estrelas, que brilhavam como diamantes. Ele pensou na manga, que tinha sido o melhor presente da sua vida. Ele pensou na sua mãe, que ele nunca tinha conhecido, mas que ele imaginava que fosse linda e boa. Ele pensou no seu pai, que ele nunca tinha visto, mas que ele esperava que fosse forte e corajoso. Ele pensou nos seus amigos, que ele gostava, mas que ele sabia que não eram a sua família. Ele pensou em Deus, que ele não sabia se existia, mas que ele agradecia por ter lhe dado a manga.

Ele fechou os olhos, e adormeceu. Ele sonhou com um lugar onde não havia fome, nem frio, nem medo, nem dor. Um lugar onde havia amor, paz, alegria, e muitas mangas. Um lugar onde ele era feliz.

Ele se deixou levar pelo sono profundo, sem saber que a manga, que ele considerava um presente divino, escondia um veneno mortal em sua casca. Uma reação alérgica começou a se espalhar por seu corpo, uma coceira insuportável invadiu sua boca, um sufoco na garganta, um ar que faltava. Ele quis gritar, mas não emitiu som. Ele tentou se erguer, mas não tinha força. Ele sentiu o seu coração bater forte, e depois cada vez mais devagar, até parar. Sem entender o que acontecia, na escuridão solitária. Na solidão da escuridão, ele não compreendia o que estava acontecendo. Seu coração batia descompassado, cada vez mais lento, até que parou. Ele nunca mais acordou.

Partiu, por causa da  manga que sonhara ser um milagre divino, era uma fruta maldita que lhe roubou a vida.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores

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