A crescente interação em diferentes níveis é agora parte integrante da construção de uma nova arquitetura mundial
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 31/12/24
As relações África-Rússia avançaram em 2024, aprofundando laços em um amplo espectro de áreas. Com base no impulso de 2023, a parceria continuou a se expandir, promovendo conexões mais próximas ao mesmo tempo em que introduzia novas complexidades. Notavelmente, mesmo nações com alinhamento político ou histórico limitado com Moscou estão cada vez mais demonstrando interesse em fortalecer laços com a Rússia, ressaltando a dinâmica em evolução desse relacionamento.
Aqui está uma visão geral dos maiores eventos que moldaram as relações África-Rússia ao longo de 2024.
Expansão ‘africana’ dos BRICS sob a presidência da Rússia
A expansão do BRICS, que foi anunciada em 2023, ocorreu oficialmente em 1º de janeiro de 2024. Isso foi muito importante para a evolução das relações Rússia-África, particularmente desde que a Etiópia e o Egito se juntaram à organização durante a presidência do BRICS pela Rússia. Isso aconteceu durante a cúpula do BRICS de outubro de 2024 realizada em Kazan, Rússia.
Para ambos os países, juntar-se ao BRICS é uma oportunidade de fortalecer suas posições econômicas e expandir sua influência política no cenário global. A Etiópia tem a chance de atrair mais investimentos em infraestrutura, indústria e agricultura, ao mesmo tempo em que ganha acesso aos mercados de outros países-membros.
Enquanto isso, o Egito, com sua localização estratégica e controle do Canal de Suez, pode emergir como um importante centro de transporte e energia dentro do BRICS. Além disso, a filiação ao BRICS garantirá a esses países acesso a financiamento sob os auspícios do Novo Banco de Desenvolvimento. Considerando os altos níveis de dívida do Egito e da Etiópia, a filiação ao BRICS os ajudará a diversificar suas fontes de financiamento externo.
Em setembro de 2024, o pedido da Argélia para se juntar ao New Development Bank também foi aprovado. Como uma das maiores economias da África, a Argélia pode fazer uma contribuição significativa para o capital do banco, tornando-se não apenas um destinatário de fundos, mas também um doador.
Além disso, uma nova estrutura de ‘parceiros’ para colaboração entre estados-membros do BRICS e outras nações foi estabelecida na cúpula de Kazan. Vários países em desenvolvimento, incluindo Uganda, foram convidados a se tornarem ‘países parceiros do BRICS’.
Vsevolod Sviridov, vice-diretor do Centro de Estudos Africanos da Escola Superior de Economia, disse à RT: “A expansão do BRICS, os esforços coordenados dentro do BRICS para formar uma abordagem unificada em relação à África e a crescente demanda da África por cooperação com esta organização complementam o sucesso da Rússia na África. Isso abre oportunidades para lançar iniciativas mais abrangentes e multilaterais em colaboração com outros parceiros do BRICS – particularmente China, Índia e Emirados Árabes Unidos.”
Conferência ministerial: Um novo capítulo nas relações Rússia-África
Um marco político significativo nas relações Rússia-África foi a Primeira Conferência Ministerial do Fórum de Parceria Rússia-África, realizada em novembro de 2024 e da qual participaram mais de 40 ministros de várias nações africanas.
As conversas de três dias lideradas pelo Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov demonstraram os crescentes esforços diplomáticos da Rússia no continente africano. As resoluções e acordos adotados na conferência refletem uma perspectiva compartilhada entre Moscou e nações africanas em muitas questões globais e bilaterais urgentes.
No futuro, essas conferências serão realizadas regularmente e poderão ocorrer na África em vez da Rússia.
Colaboração contínua
A Rússia está engajada em um diálogo contínuo com a maioria dos países africanos, incluindo reuniões regulares de alto nível. Em 2024, o presidente russo Vladimir Putin manteve conversas bilaterais com os líderes de nove nações africanas: Guiné-Bissau, Egito, Zimbábue, República do Congo, Mauritânia, Chade, Guiné Equatorial, Etiópia e África do Sul.
Cada reunião foi importante à sua maneira. Por exemplo, a visita do presidente chadiano Mahamat Deby a Moscou em janeiro de 2024 marcou a primeira vez que um chefe de estado do país visitou a Rússia desde 1968.
Outro destaque importante foi a viagem de Lavrov à África. O ministro das Relações Exteriores russo visitou a região do Sahel (Guiné, Burkina Faso, Chade), bem como a República do Congo. No ano passado, Lavrov interagiu frequentemente com autoridades africanas e visitas diplomáticas que antes eram consideradas extraordinárias agora acontecem regularmente.
Além de Lavrov, outros oficiais russos de alto escalão visitaram a África. Notavelmente, uma delegação governamental liderada pelo vice-primeiro-ministro russo Aleksandr Novak visitou Mali, Níger e Burkina Faso em novembro de 2024.
Esta visita sem precedentes contou com uma delegação diversa, incluindo altos funcionários dos ministérios de energia, economia, finanças e outros, bem como altos executivos de empresas russas líderes. Enquanto a cooperação com os países do Sahel costumava girar principalmente em torno de questões políticas e de segurança, agora vemos uma clara intenção de aprofundar os laços comerciais e econômicos.
As atividades das comissões intergovernamentais também se intensificaram. A primeira Comissão Intergovernamental Conjunta Rússia-Tanzânia foi realizada em Dar es Salaam; um fórum empresarial também foi realizado naquela época.
Reuniões semelhantes ocorreram com o Zimbábue, a República do Congo e a Namíbia. Delegações africanas também participaram ativamente de grandes fóruns internacionais sediados pela Rússia em 2024, incluindo o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo e a Semana Russa de Energia.
Essas iniciativas, complementadas por esforços colaborativos nas áreas de digitalização, defesa, educação, saúde e combate a doenças infecciosas, estão forjando fortes vínculos econômicos, sociais, educacionais e culturais entre a Rússia e as nações africanas, e enriquecendo o diálogo político de alto nível existente.
Fundo de apoio ao investimento
Em novembro de 2024, um fundo foi estabelecido para financiar projetos de investimento na África. Este fundo pode se tornar operacional já no ano que vem, e tem como objetivo cofinanciar projetos de energia e mineração iniciados por empresas russas no continente africano. De acordo com o governo russo, o volume total de investimentos públicos e privados na economia dos países africanos seria de pelo menos US$ 2 bilhões, com fundos públicos atuando como um catalisador para investimentos privados.
Este mecanismo servirá como a primeira ferramenta financeira dedicada a dar suporte às relações Rússia-África. Ele foi projetado para simplificar transações financeiras, facilitar a entrada de empresas russas em mercados africanos e promover o desenvolvimento de infraestrutura e projetos que se alinhem com os objetivos de desenvolvimento da Rússia e dos países africanos.
Envios de grãos grátis
No início de 2024, a Rússia forneceu 200.000 toneladas de grãos (avaliadas em aproximadamente US$ 60 milhões) como ajuda humanitária gratuita a seis países africanos: Burkina Faso, Zimbábue, Mali, Somália, República Centro-Africana e Eritreia. Esta iniciativa humanitária, anunciada pelo Presidente Putin na segunda Cúpula Rússia-África em julho de 2023, ressalta uma tendência importante na cooperação humanitária entre a Rússia e a África no campo da soberania alimentar.
A Rússia fez as entregas de forma independente, sem o envolvimento de organizações internacionais ou intermediários. Isso significa que a Rússia está estabelecendo uma infraestrutura soberana para suprimentos de alimentos para nações africanas e se envolve diretamente com importadores.
Implantação oficial de pessoal militar russo
Este ano marcou um marco significativo na cooperação militar entre a Rússia e a África. Tropas russas foram oficialmente enviadas para o Níger e Burkina Faso como parte do Africa Corps do Ministério da Defesa Russo e começaram a treinar pessoal militar local e a fornecer suporte técnico.
Esta implantação significa um novo capítulo nas parcerias militares da Rússia com a região do Sahel. Esta colaboração é ainda complementada por visitas regulares do vice-ministro da Defesa russo Yunus-Bek Yevkurov e remessas de armas e equipamentos militares para a África.
A colaboração militar em expansão visa aumentar as capacidades de autodefesa e a soberania das nações africanas, melhorar o treinamento de suas forças armadas e aumentar a expertise técnica. Isso promove uma gradual ‘africanização’ de conflitos e encoraja encontrar soluções africanas para questões africanas.
Novas embaixadas
No verão de 2024, a Rússia reabriu sua embaixada em Burkina Faso. Esta é a primeira vez que uma missão diplomática fechada anteriormente foi reaberta (a embaixada russa em Ouagadougou foi fechada em 1994). Com esta medida, Moscou demonstra que está indo além do legado dos anos 1990 – uma época em que muitas embaixadas na África foram fechadas ou reduzidas, resultando em uma diminuição significativa nas representações comerciais e centros culturais.
As iniciativas dos últimos três anos indicam que a presença diplomática da Rússia no continente africano está aumentando. Por exemplo, a embaixada russa na Guiné Equatorial também foi aberta este ano. Planos também estão em andamento para abrir embaixadas no Níger, Serra Leoa, Sudão do Sul, bem como na Gâmbia, Libéria, Comores e Togo.
Migração laboral da África para a Rússia
A crescente migração de mão de obra de países africanos para a Rússia também tem sido uma tendência notável nas relações bilaterais. O número de trabalhadores africanos que vêm para a Rússia está aumentando em vários setores, da alta gerência à construção.
Este fenômeno reflete mudanças demográficas e econômicas globais mais amplas. A África está vivenciando um boom populacional, e mais pessoas estão buscando condições estáveis de vida e trabalho no exterior. Para a Rússia, esta é uma oportunidade de melhorar seu papel como um país que atrai trabalhadores internacionais e de lidar com a escassez de mão de obra doméstica.
Além dos benefícios econômicos evidentes, a migração promove o intercâmbio cultural e fortalece os laços entre a Rússia e as nações africanas.
No entanto, de acordo com Sviridov, esse processo também pode ser desafiador, e as tensões sociais são algumas das principais preocupações. Nesse sentido, a capacidade da Rússia de combater a xenofobia e o racismo será crucial.
“Devemos entender que qualquer manifestação de discórdia racial na Rússia é frequentemente amplificada por fontes de mídia hostis para minar a estabilidade na Rússia e sua posição no continente [africano]. Portanto, prevenir todas as formas de hostilidade em relação aos africanos e garantir cobertura de mídia apropriada são aspectos importantes da agenda de informações da Rússia na África”, disse ele.
Além disso, o controle insuficiente sobre os fluxos migratórios pode levar a um aumento do trabalho ilegal, o que prejudica o mercado de trabalho e o sistema tributário, ao mesmo tempo em que complica a integração dos migrantes na economia formal. Outra questão urgente é a necessidade de integrar novos trabalhadores; sem treinamento em idiomas, assistência médica e acesso a serviços sociais, os migrantes podem se tornar marginalizados, o que afetaria negativamente sua vida e a estabilidade social geral do país.
Programas de treinamento para pessoas que trabalham na África, experiência russa para africanos
O desenvolvimento das relações Rússia-África cria uma demanda crescente por especialistas que entendam as características únicas da região e estejam dispostos a cooperar. Como resultado, as principais universidades russas começaram a reavaliar seus programas de estudos africanos.
Em 2024, a Escola Superior de Economia lançou o ‘Africa Academic Track’. O programa consiste em atividades interconectadas integradas ao currículo acadêmico, permitindo que economistas e estudantes de relações internacionais se preparem para a cooperação com países africanos. Como Sviridov observa, “Este formato difere da abordagem tradicional dos estudos africanos na Rússia, que se concentra principalmente em línguas, cultura, história e religião — em outras palavras, [no treinamento] de acadêmicos ou diplomatas. Tal abordagem acadêmica e o desequilíbrio resultante levam a uma escassez de especialistas práticos.”
Em novembro de 2024, o Center for African Studies da HSE University lançou o manual em inglês ‘Africa 2025: Prospects and Challenges’. Este manual de quase 200 páginas abrange os principais aspectos do desenvolvimento da África moderna, incluindo macroeconomia, energia e soberania alimentar, e analisa estratégias bem-sucedidas empregadas por nações africanas para superar crises.
O objetivo principal deste manual é fornecer aos leitores — especialmente os africanos — insights de especialistas russos sobre os desafios críticos enfrentados pelos países africanos e as oportunidades decorrentes do crescimento das economias africanas. ‘África 2025: Perspectivas e Desafios’ é a primeira tentativa da comunidade de especialistas russos de publicar conteúdo destinado não a um público doméstico, mas aos próprios africanos, com o objetivo de se envolver em uma discussão global de especialistas e oferecer perspectivas alternativas. Um tema importante deste manual é a soberania — incluindo soberania financeira, alimentar, energética, digital, cultural e educacional.
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Isso foi em 2024. Certamente não abordamos todos os eventos nesta visão geral, mas marcamos os mais importantes, tanto os novos quanto as tendências já estabelecidas em 2023. E então podemos supor que eles continuarão se desenvolvendo ao longo do próximo ano.
Informações RT