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A Casa da Minha Infância – Por Lin Quintino

Era o som do vento passando pelas frestas, o barulho do velho relógio de parede marcando as horas que nunca pareciam ser as mesmas.

A Casa da Minha Infância

Lin Quintino

A casa da minha infância ainda existe em algum canto do tempo, embora já não a veja com os olhos de hoje. Era simples, de paredes brancas que pareciam guardar segredos. Naquela casa, o tempo andava diferente: lento nas tardes preguiçosas de verão, quando o Sol desenhava sombras pelo chão, e rápido nas noites de tempestade, quando o vento uivava pelas janelas e a chuva batia como dedos inquietos.

Era uma casa de portas que rangiam, como se cada abertura fosse um protesto contra o passar dos anos. O piso, de madeira velha, sabia das minhas corridas e tropeços, conhecia de cor os passos dos adultos — lentos, pesados, arrastados — e os dos meus pés descalços, sempre à procura de uma nova aventura. Lá dentro, cada cômodo era um pequeno mundo, um território que, embora limitado pelas quatro paredes, parecia infinito na imaginação de quem crescia.

No quintal, havia uma mangueira. A árvore parecia imensa, como se fosse o ponto mais alto do mundo. Seus galhos grossos eram o meu refúgio, o lugar onde eu me escondia do tempo, onde me sentia segura de tudo o que havia do lado de fora. De lá, eu via a vida da casa, como se fosse um espectador de uma peça já conhecida, mas sempre interessante. Minha avó cantava, minha mãe varria, o gato preguiçava à sombra, e eu sentia que o mundo estava em paz.

A casa era silenciosa, mas cheia de sons. Os risos vinham de algum lugar distante do tempo, misturados ao eco das vozes que já não moram mais ali. Era o som do vento passando pelas frestas, o barulho do velho relógio de parede marcando as horas que nunca pareciam ser as mesmas. A casa respirava, como se fosse viva. Talvez fosse.

Hoje, quando passo pela rua, a casa está lá, mas não é mais a mesma. Nem eu sou. O tempo passou por nós duas. Ela ficou menor, eu cresci. As paredes, que pareciam tão altas, hoje mal me chegam aos ombros. A mangueira ainda está de pé, mas não me chama mais para subir. É apenas uma árvore velha em um quintal que perdeu o brilho.

Mas, de algum jeito, essa casa, ou uma versão dela, ainda mora em mim. Ela resiste em uma memória que mistura o real e o imaginado, o passado e o presente, numa teia invisível que o tempo não consegue desfazer. Porque, no fundo, a casa da minha infância não era de tijolos ou telhas, mas de momentos. E esses, eu carrego comigo.

Lin Quintino

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”

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