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Rainhas Não Pedem Perdão – Por Paulo Siuves

Há necessidade de se desculpar por serem quem são?

Rainhas Não Pedem Perdão

Por Paulo Siuves


Em minha jornada como defensor dos Direitos das Mulheres, tenho encontrado histórias
que ilustram tanto a força quanto as barreiras que as mulheres enfrentam em suas vidas
cotidianas. Uma dessas histórias é a de uma minha amiga, uma empresária bem-
sucedida de Balneário Camboriú. Acostumada a enfrentar os desafios do mundo
corporativo, a comandar negociações importantes e a liderar equipes com eficiência, eu,
paradoxalmente, a vejo muitas vezes pedindo desculpas por situações triviais, como um
pequeno atraso na entrega de um texto ou uma opinião expressada com firmeza. Isso me
levou a refletir sobre o quanto nossa sociedade ainda impõe às mulheres o fardo da
culpa, mesmo quando elas ocupam posições de destaque e poder.


A ORIGEM DA CULPA FEMININA
Para entender por que tantas mulheres, independentemente de seu sucesso, ainda sentem
a necessidade de pedir desculpas por serem quem são, precisamos examinar as raízes
culturais e históricas dessa culpa. Desde a infância, muitas meninas são ensinadas a
serem amáveis, a evitar conflitos e a colocar as necessidades dos outros à frente das
suas. Essa socialização, embora muitas vezes sutil, cria uma base para um
comportamento de constante apaziguamento e auto-sacrifício, que pode persistir ao
longo da vida.
Um exemplo claro disso é o conceito de “culpa feminina”, discutido por filósofas e
teóricas feministas como Simone de Beauvoir e Judith Butler. Segundo Beauvoir, as
mulheres são socialmente condicionadas a acreditar que sua existência só é validada
quando cumprem as expectativas alheias. Butler, por sua vez, argumenta que essa culpa
é reforçada por normas de gênero que perpetuam a subordinação feminina. Essa é uma
herança pesada, que muitas vezes impede as mulheres de se apropriarem de seu próprio
poder.


O PESO DA PALAVRA “DESCULPA”
Quando uma mulher pede desculpas, frequentemente não está se desculpando por uma
falha real, mas por simplesmente existir em um espaço que foi historicamente negado a
ela. Esse comportamento, muitas vezes, não é consciente.  um estudo da Universidade
de Waterloo, no Canadá, revelou que as mulheres pedem mais desculpas do que os
homens. No entanto, isso não significa que os homens não admitem erros; a diferença
está na percepção do que requer um pedido de perdão 1 . Isso acontece não porque as
mulheres erram mais, mas porque foram ensinadas a ver suas ações e presença como
potencialmente ofensivas ou perturbadoras.

1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Mulheres ganham, em média, 21% menos que os
homens.” Disponível em: IBGE – Mulheres ganham, em média, 21% menos que os homens. Acesso em
12 de agosto de 2024.

Tomemos como exemplo a minha amiga empresária de Balneário Camboriú. Em
reuniões de negócios, ela é assertiva, decisiva e eficaz. No entanto, no ambiente
informal, ela se sente compelida a pedir desculpas por coisas triviais – como expressar
uma opinião forte ou até mesmo sido acometida por uma gripe forte e ter se atrasado em
algum compromisso informal. Isso não é um comportamento isolado, mas sim uma
manifestação de uma tendência maior e preocupante.


A CONSTRUÇÃO DA RAINHA INTERIOR
Mas como mudar esse padrão? Como ajudar as mulheres a perceberem que não há
necessidade de se desculpar por serem quem são? A resposta pode estar em uma
mudança fundamental na maneira como veem a si mesmas – uma transformação de
dentro para fora, que reconhece e celebra o poder, a sabedoria e a coragem que toda
mulher possui.


Aqui, gosto de recorrer à metáfora da rainha. Uma rainha é alguém que não só governa
com autoridade, mas que também lidera com sabedoria e compaixão. Ela não pede
desculpas por tomar decisões difíceis, porque entende que seu papel é tomar essas
decisões. Ela não se desculpa por ser assertiva, porque sabe que sua assertividade é
necessária para o bem-estar de seu reino.


Essa metáfora não é apenas simbólica, mas pode ser aplicada de forma prática na vida
de cada mulher. Isso significa abraçar o poder de tomar decisões sem se sentir culpada,
de expressar opiniões sem medo de represálias, e de ocupar seu espaço com a confiança
de que ela merece estar ali. Não se trata de arrogância, mas de uma dignidade inerente,
que reconhece o valor próprio e a importância de ser fiel a si mesma.


O IMPACTO DA CULTURA EMPRESARIAL
A cultura institucional precisa evoluir para acolher a diversidade de liderança que as
mulheres trazem. Isso inclui reconhecer que liderança não tem um único modelo, e que
a assertividade feminina é tão válida quanto qualquer outra forma de liderança.
Instituições que incentivam as mulheres a liderar sem pedir desculpas tendem a ser mais
inovadoras, resilientes e, em última análise, mais bem-sucedidas.
Segundo dados recentes do Observatório de Pessoal do Ministério da Gestão e da
Inovação em Serviços Públicos, as mulheres ocupam 34% dos cargos de liderança no
governo federal. Considerando apenas os cargos de diretoria, secretariado, secretaria-
executiva e ministros e ministras, esse aumento é significativo em relação aos anos
anteriores. No primeiro ano da gestão passada, as mulheres representavam apenas 26%
desses cargos, e no último mês da gestão anterior, a participação feminina era de 29% 2 .
No entanto, ainda há muito a ser feito para alcançar a igualdade de gênero. O governo
tem adotado medidas para estimular o acesso e a permanência de lideranças femininas
na alta gestão. Entre essas medidas, destacam-se a criação de um grupo de trabalho para
elaboração de uma política de enfrentamento ao assédio moral e sexual e discriminação

2 Observatório de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Dados
internos. Acesso em 12 de agosto de 2024.

na Administração Pública, bem como a publicação do Guia Lilás pela Controladoria-
Geral da União (CGU). Esse guia oferece orientações para prevenção e tratamento ao
assédio moral e sexual e à discriminação no governo federal, além de um protocolo para
denunciar ocorrências desse tipo.
A assessora de Participação Social e Diversidade do Ministério, Daniela Gorayeb,
ressalta que as mulheres ainda enfrentam desqualificação e inferiorização em suas
atuações por serem mulheres. Essa realidade mina a segurança, a autoestima e pode até
mesmo afetar a saúde das profissionais. Portanto, promover uma cultura que valorize a
liderança feminina sem a necessidade constante de se desculpar é fundamental para
construir um serviço público mais justo e eficiente 3 .


AVALIANDO E TRANSFORMANDO NOSSAS PRÓPRIAS NARRATIVAS
Parte do processo de se tornar uma rainha em sua própria vida envolve reescrever as
narrativas que foram impostas a toda a nossa sociedade. Precisamos questionar as
crenças que as levam a pedir desculpas por coisas que não precisam de desculpas. Isso
pode incluir um trabalho de autoavaliação, onde cada mulher é convidada a refletir
sobre as situações em que se desculpa e a perguntar a si mesma: “Por que estou pedindo
desculpas? Isso é realmente necessário?”
Esse processo de reflexão pode ser transformador. Ao identificar os padrões de
desculpas e entender suas raízes, as mulheres podem começar a substituí-los por novas
narrativas que celebram sua força e autonomia. Isso pode incluir práticas diárias de
autoafirmação, onde cada mulher reafirma seu direito de ocupar espaço, de falar, de
decidir – sem culpa.


O CAMINHO ADIANTE: EDUCAÇÃO E SORORIDADE
É importante também que essa mudança não aconteça de forma isolada. As mulheres
precisam se apoiar mutuamente nesse processo, criando uma rede de sororidade que
reforce a confiança e a autoafirmação de cada uma. A educação tem um papel crucial
aqui, desde a infância, para ensinar às meninas que elas têm o direito de ser assertivas,
de tomar decisões, e de ocupar seus espaços sem pedir desculpas.
Além disso, homens que apoiam essa causa – como eu, Paulo Siuves – também têm um
papel a desempenhar. Precisamos ser aliados na luta pela equidade, promovendo uma
cultura de respeito e valorização das mulheres em todos os aspectos da vida. Isso
significa não apenas apoiar as mulheres em suas jornadas, mas também trabalhar para
mudar as estruturas sociais e culturais que perpetuam a necessidade de se desculpar.


CONCLUSÃO
Concluo este texto reafirmando a mensagem central: rainhas não pedem perdão. Ao
abraçar essa ideia, cada mulher pode começar a viver com mais integridade, confiança e

3 Controladoria-Geral da União (CGU). Guia Lilás: Prevenção e Tratamento do Assédio Moral e
Sexual e da Discriminação no Governo Federal. Disponível em: Guia Lilás. Acesso em 12 de agosto
de 2024.

poder. Não há necessidade de se desculpar por ser quem você é – pelo contrário, é hora
de celebrar essa identidade e de liderar com a força e a sabedoria que já residem em
você.

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