Há necessidade de se desculpar por serem quem são?
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 13/01/25
Rainhas Não Pedem Perdão
Por Paulo Siuves
Em minha jornada como defensor dos Direitos das Mulheres, tenho encontrado histórias
que ilustram tanto a força quanto as barreiras que as mulheres enfrentam em suas vidas
cotidianas. Uma dessas histórias é a de uma minha amiga, uma empresária bem-
sucedida de Balneário Camboriú. Acostumada a enfrentar os desafios do mundo
corporativo, a comandar negociações importantes e a liderar equipes com eficiência, eu,
paradoxalmente, a vejo muitas vezes pedindo desculpas por situações triviais, como um
pequeno atraso na entrega de um texto ou uma opinião expressada com firmeza. Isso me
levou a refletir sobre o quanto nossa sociedade ainda impõe às mulheres o fardo da
culpa, mesmo quando elas ocupam posições de destaque e poder.
A ORIGEM DA CULPA FEMININA
Para entender por que tantas mulheres, independentemente de seu sucesso, ainda sentem
a necessidade de pedir desculpas por serem quem são, precisamos examinar as raízes
culturais e históricas dessa culpa. Desde a infância, muitas meninas são ensinadas a
serem amáveis, a evitar conflitos e a colocar as necessidades dos outros à frente das
suas. Essa socialização, embora muitas vezes sutil, cria uma base para um
comportamento de constante apaziguamento e auto-sacrifício, que pode persistir ao
longo da vida.
Um exemplo claro disso é o conceito de “culpa feminina”, discutido por filósofas e
teóricas feministas como Simone de Beauvoir e Judith Butler. Segundo Beauvoir, as
mulheres são socialmente condicionadas a acreditar que sua existência só é validada
quando cumprem as expectativas alheias. Butler, por sua vez, argumenta que essa culpa
é reforçada por normas de gênero que perpetuam a subordinação feminina. Essa é uma
herança pesada, que muitas vezes impede as mulheres de se apropriarem de seu próprio
poder.
O PESO DA PALAVRA “DESCULPA”
Quando uma mulher pede desculpas, frequentemente não está se desculpando por uma
falha real, mas por simplesmente existir em um espaço que foi historicamente negado a
ela. Esse comportamento, muitas vezes, não é consciente. um estudo da Universidade
de Waterloo, no Canadá, revelou que as mulheres pedem mais desculpas do que os
homens. No entanto, isso não significa que os homens não admitem erros; a diferença
está na percepção do que requer um pedido de perdão 1 . Isso acontece não porque as
mulheres erram mais, mas porque foram ensinadas a ver suas ações e presença como
potencialmente ofensivas ou perturbadoras.
1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Mulheres ganham, em média, 21% menos que os
homens.” Disponível em: IBGE – Mulheres ganham, em média, 21% menos que os homens. Acesso em
12 de agosto de 2024.
Tomemos como exemplo a minha amiga empresária de Balneário Camboriú. Em
reuniões de negócios, ela é assertiva, decisiva e eficaz. No entanto, no ambiente
informal, ela se sente compelida a pedir desculpas por coisas triviais – como expressar
uma opinião forte ou até mesmo sido acometida por uma gripe forte e ter se atrasado em
algum compromisso informal. Isso não é um comportamento isolado, mas sim uma
manifestação de uma tendência maior e preocupante.
A CONSTRUÇÃO DA RAINHA INTERIOR
Mas como mudar esse padrão? Como ajudar as mulheres a perceberem que não há
necessidade de se desculpar por serem quem são? A resposta pode estar em uma
mudança fundamental na maneira como veem a si mesmas – uma transformação de
dentro para fora, que reconhece e celebra o poder, a sabedoria e a coragem que toda
mulher possui.
Aqui, gosto de recorrer à metáfora da rainha. Uma rainha é alguém que não só governa
com autoridade, mas que também lidera com sabedoria e compaixão. Ela não pede
desculpas por tomar decisões difíceis, porque entende que seu papel é tomar essas
decisões. Ela não se desculpa por ser assertiva, porque sabe que sua assertividade é
necessária para o bem-estar de seu reino.
Essa metáfora não é apenas simbólica, mas pode ser aplicada de forma prática na vida
de cada mulher. Isso significa abraçar o poder de tomar decisões sem se sentir culpada,
de expressar opiniões sem medo de represálias, e de ocupar seu espaço com a confiança
de que ela merece estar ali. Não se trata de arrogância, mas de uma dignidade inerente,
que reconhece o valor próprio e a importância de ser fiel a si mesma.
O IMPACTO DA CULTURA EMPRESARIAL
A cultura institucional precisa evoluir para acolher a diversidade de liderança que as
mulheres trazem. Isso inclui reconhecer que liderança não tem um único modelo, e que
a assertividade feminina é tão válida quanto qualquer outra forma de liderança.
Instituições que incentivam as mulheres a liderar sem pedir desculpas tendem a ser mais
inovadoras, resilientes e, em última análise, mais bem-sucedidas.
Segundo dados recentes do Observatório de Pessoal do Ministério da Gestão e da
Inovação em Serviços Públicos, as mulheres ocupam 34% dos cargos de liderança no
governo federal. Considerando apenas os cargos de diretoria, secretariado, secretaria-
executiva e ministros e ministras, esse aumento é significativo em relação aos anos
anteriores. No primeiro ano da gestão passada, as mulheres representavam apenas 26%
desses cargos, e no último mês da gestão anterior, a participação feminina era de 29% 2 .
No entanto, ainda há muito a ser feito para alcançar a igualdade de gênero. O governo
tem adotado medidas para estimular o acesso e a permanência de lideranças femininas
na alta gestão. Entre essas medidas, destacam-se a criação de um grupo de trabalho para
elaboração de uma política de enfrentamento ao assédio moral e sexual e discriminação
2 Observatório de Pessoal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Dados
internos. Acesso em 12 de agosto de 2024.
na Administração Pública, bem como a publicação do Guia Lilás pela Controladoria-
Geral da União (CGU). Esse guia oferece orientações para prevenção e tratamento ao
assédio moral e sexual e à discriminação no governo federal, além de um protocolo para
denunciar ocorrências desse tipo.
A assessora de Participação Social e Diversidade do Ministério, Daniela Gorayeb,
ressalta que as mulheres ainda enfrentam desqualificação e inferiorização em suas
atuações por serem mulheres. Essa realidade mina a segurança, a autoestima e pode até
mesmo afetar a saúde das profissionais. Portanto, promover uma cultura que valorize a
liderança feminina sem a necessidade constante de se desculpar é fundamental para
construir um serviço público mais justo e eficiente 3 .
AVALIANDO E TRANSFORMANDO NOSSAS PRÓPRIAS NARRATIVAS
Parte do processo de se tornar uma rainha em sua própria vida envolve reescrever as
narrativas que foram impostas a toda a nossa sociedade. Precisamos questionar as
crenças que as levam a pedir desculpas por coisas que não precisam de desculpas. Isso
pode incluir um trabalho de autoavaliação, onde cada mulher é convidada a refletir
sobre as situações em que se desculpa e a perguntar a si mesma: “Por que estou pedindo
desculpas? Isso é realmente necessário?”
Esse processo de reflexão pode ser transformador. Ao identificar os padrões de
desculpas e entender suas raízes, as mulheres podem começar a substituí-los por novas
narrativas que celebram sua força e autonomia. Isso pode incluir práticas diárias de
autoafirmação, onde cada mulher reafirma seu direito de ocupar espaço, de falar, de
decidir – sem culpa.
O CAMINHO ADIANTE: EDUCAÇÃO E SORORIDADE
É importante também que essa mudança não aconteça de forma isolada. As mulheres
precisam se apoiar mutuamente nesse processo, criando uma rede de sororidade que
reforce a confiança e a autoafirmação de cada uma. A educação tem um papel crucial
aqui, desde a infância, para ensinar às meninas que elas têm o direito de ser assertivas,
de tomar decisões, e de ocupar seus espaços sem pedir desculpas.
Além disso, homens que apoiam essa causa – como eu, Paulo Siuves – também têm um
papel a desempenhar. Precisamos ser aliados na luta pela equidade, promovendo uma
cultura de respeito e valorização das mulheres em todos os aspectos da vida. Isso
significa não apenas apoiar as mulheres em suas jornadas, mas também trabalhar para
mudar as estruturas sociais e culturais que perpetuam a necessidade de se desculpar.
CONCLUSÃO
Concluo este texto reafirmando a mensagem central: rainhas não pedem perdão. Ao
abraçar essa ideia, cada mulher pode começar a viver com mais integridade, confiança e
3 Controladoria-Geral da União (CGU). Guia Lilás: Prevenção e Tratamento do Assédio Moral e
Sexual e da Discriminação no Governo Federal. Disponível em: Guia Lilás. Acesso em 12 de agosto
de 2024.
poder. Não há necessidade de se desculpar por ser quem você é – pelo contrário, é hora
de celebrar essa identidade e de liderar com a força e a sabedoria que já residem em
você.
Paulo Siuves é um dedicado defensor dos Direitos das Mulheres, reconhecido
internacionalmente como “Embaixador da Paz” por seus esforços. Com um sólido
histórico acadêmico e honrarias em Filosofia e Literatura, incluindo os títulos de Doutor
Honoris Causa, Paulo apoia e promove talentosas escritoras, contribuindo para um
cenário literário mais inclusivo e igualitário. Seu compromisso com a justiça social e a
igualdade de gênero é evidenciado por suas inúmeras qualificações, incluindo cursos de
formação em Direitos Humanos, e pelo reconhecimento com o Troféu Evita Perón,
concedido pelo Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”