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Ônibus Lotado – Por Lin Quintino

Não há hierarquia quando o ônibus lotado decide que a prioridade é caber mais um.

Ônibus Lotado

Lin Quintino

Quem, pelo menos uma vez, não entrou em um ônibus lotado e sentiu de perto a vida espremida de quem todo o dia anda de ônibus. O relógio marcava sete da manhã e o céu, ainda meio sonolento, mal se dera conta de que o dia começava. No ponto, uma multidão se formava: rostos fechados, olhos cansados, como se todos compartilhassem o mesmo fardo invisível. O ônibus lotado surge ao longe, sacolejando pelas ruas como uma lata velha com pressa, uma promessa de destino, mas com o preço da claustrofobia.

Quando as portas se abrem, o caos se instala. É uma coreografia sem graça, onde os corpos se comprimem num balé torto de cotovelos e sacolas. O espaço é mínimo, e o ar, rarefeito. Cada um tenta, de algum modo, manter sua dignidade, mas isso é quase impossível quando seu rosto está a centímetros da axila de um estranho, e seu desodorante vencido.

Naquela pequena selva de ferro e vidro, somos todos iguais. O chefe engravatado, a estudante de mochila cheia, a senhora com sacolas de feira, o trabalhador com as mãos calejadas, todos unidos pelo mesmo desconforto, pelo mesmo desejo de chegar. Não há hierarquia quando o ônibus lotado decide que a prioridade é caber mais um.

Olho ao redor e vejo os olhares vagos, perdidos em pensamentos tão distantes quanto gostariam de estar fisicamente. Ninguém fala, ninguém ousa reclamar. Talvez por hábito, talvez por cansaço. Estamos todos, de certa forma, vivendo um ritual moderno: o ônibus cheio, o silêncio que grita, a urgência da espera.

Na janela, a cidade corre apressada, indiferente ao que acontece dentro. Lá fora, o barulho das buzinas e a correria das ruas; aqui dentro, o barulho abafado das respirações e o som ocasional de uma mochila batendo nas costas de alguém. E, entre tudo isso, o desejo de chegar, de sair daquele aperto, daquele estado provisório que parece nunca acabar.

O ônibus para e sacode, os corpos se desajustam por um instante. Alguém consegue sair, alguém tenta entrar. Sempre cabe mais um, não é? Porque no ônibus lotado, como na vida, sempre damos um jeito de nos apertar mais um pouco, de suportar mais um pouco. Afinal, o destino está logo ali ou pelo menos é o que continuamos repetindo.

E, comprimidos e resignados, viajantes do cotidiano, esperando que a próxima parada seja a nossa ou que, quem sabe, o trajeto seja menos pesado amanhã, seguimos…

Lin Quintino

Lin Quintino – Mineira de Bom Despacho, escritora, poeta, professora e psicóloga. Academia das quais faz parte: Academia Mineira de Belas Artes – AMBA / ANLPPB- cadeira 99, / ALPAS 21, sócia fundadora, cadeira 16; / ALTO; / ALMAS; / ARTPOP; / Academia de Letras Y Artes Valparaíso (chile); / Núcleo de Letras Y Artes de Buenos Aires; / ACML, cadeira 61 Membro da OPB e da Associação Poemas à Flor da Pele. Autora dos livros de poemas Entrepalavras e A Cor da Minha Escrita. Comendas: destaque literário da ALPAS-21, / Ubiratan Castro em 2015 pela ABRASA / Certificado pela ALAF de Destaque Literário em 2014 7 Troféu destaque Mulheres Notáveis – Cecília Meireles- Itabira/MG, 2014 Participou de várias coletâneas e antologias nacionais e internacionais.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”

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