Pequenas tragédias cotidianas, momentos em que algo escapa do controle e o impulso imediato é se culpar, se irritar, ou até desejar que as coisas tivessem sido diferentes.
Jornal Clarín Brasil – JCB NEWS 29/01/2025
Crônica: Não chore sobre o leite derramado
Lin Quintino
Quem nunca se viu numa situação, assim? Pois é. Era uma manhã comum, dessas em que o dia começa sem grandes pretensões. O relógio ainda marcava sete horas e o silêncio da casa só era quebrado pelo som do café sendo coado na cozinha. O Sol mal tinha nascido, mas a rotina já chamava: preparar o café da manhã, ajeitar as coisas para o trabalho, e começar mais um dia de pequenos compromissos.
Foi no meio desse ritmo tranquilo que aconteceu. Um movimento desajeitado, talvez o sono ainda incomodando, e a jarra de leite escorregou da minha mão. Caiu no chão, se espatifou e o líquido branco se espalhou como se estivesse em câmera lenta, cobrindo o azulejo. No instante seguinte, eu só conseguia olhar para aquilo, congelada.
Por alguns segundos, senti o impulso de reclamar, de culpar a pressa ou o cansaço, de murmurar algo sobre o dia já começar errado. Mas, naquele momento, uma frase antiga ecoou na minha cabeça: “não chore sobre o leite derramado”. Sempre achei que fosse só um ditado qualquer, uma dessas coisas que as pessoas dizem para a gente seguir em frente sem lamentar o que não tem volta. Mas, olhando para aquele chão branco e escorregadio, percebi que o significado era bem mais simples e profundo do que parecia.
O leite estava ali, derramado. Não havia como colocá-lo de volta na jarra, não havia conserto possível. E, por mais que eu quisesse, reclamar ou lamentar não mudaria absolutamente nada. Era só uma questão de limpar e seguir com o dia.
Peguei um pano e comecei a limpar o estrago, enquanto pensava em quantas vezes já me vi em situações parecidas, não com leite, mas com a vida. Pequenas tragédias cotidianas, momentos em que algo escapa do controle e o impulso imediato é se culpar, se irritar, ou até desejar que as coisas tivessem sido diferentes. Mas a verdade é que, muitas vezes, o que está feito, está feito. E não há nada que possamos fazer para mudar o passado.
Terminei de limpar a bagunça e, em vez de me deixar levar pela frustração, fui buscar mais leite. No fundo, é isso que a vida pede: que limpemos o que precisa ser limpo e sigamos em frente, sem nos perdermos no que já não tem conserto. O leite derramado é só um detalhe, e o dia ainda pode ser bom, apesar disso.
Talvez esse seja o segredo – aceitar os pequenos desastres com a leveza de quem sabe que eles fazem parte do cotidiano. Porque, no final das contas, é assim que a vida é: cheia de pequenos deslizes, de momentos inesperados e de leite derramado. E a única coisa que podemos fazer é continuar.
Lin Quintino
Lin Quintino – Mineira de Bom Despacho, escritora, poeta, professora e psicóloga. Academia das quais faz parte: Academia Mineira de Belas Artes – AMBA / ANLPPB- cadeira 99, / ALPAS 21, sócia fundadora, cadeira 16; / ALTO; / ALMAS; / ARTPOP; / Academia de Letras Y Artes Valparaíso (chile); / Núcleo de Letras Y Artes de Buenos Aires; / ACML, cadeira 61 Membro da OPB e da Associação Poemas à Flor da Pele. Autora dos livros de poemas Entrepalavras e A Cor da Minha Escrita. Comendas: destaque literário da ALPAS-21, / Ubiratan Castro em 2015 pela ABRASA / Certificado pela ALAF de Destaque Literário em 2014 7 Troféu destaque Mulheres Notáveis – Cecília Meireles- Itabira/MG, 2014 Participou de várias coletâneas e antologias nacionais e internacionais.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”