Lá fora, o verde dos pastos se repete como um cenário preguiçoso, e o cheiro de terra molhada invade o ônibus cada vez que a porta se abre em alguma cidade pequena

Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 04/05/25
No balanço da estrada
Lin Quintino
Viajar de ônibus pelo interior é quase uma lição de humildade. Não pela distância, mas pelo tempo. Ele passa de outro jeito ali, mais lento, mais largo, mais cheio de parênteses. A estrada se desenrola como um fio de memória antiga, enquanto o mundo urbano fica para trás, pequeno e sem importância.
O ônibus parte cedo, quando o dia ainda nem decidiu se vai amanhecer de vez. O banco é duro, mas já foi mais. Os vidros embaçados denunciam a madrugada que insiste, e o silêncio coletivo tem um peso que só se quebra com os primeiros solavancos e o barulho do portão da rodoviária se abrindo.
Dentro, um amontoado de vidas. O homem com a sacola plástica no colo que carrega marmitas para vender. A senhora que segura um terço entre os dedos, sem olhar pra ninguém. Um casal jovem dividindo fone de ouvido, sorrindo por qualquer coisa, provavelmente ainda acreditam que a viagem vai ser rápida.
Lá fora, o verde dos pastos se repete como um cenário preguiçoso, e o cheiro de terra molhada invade o ônibus cada vez que a porta se abre em alguma cidade pequena, onde sempre tem alguém esperando com olhos cansados e café recém-passado.
O motorista, sério, mastiga um chiclete como se fosse uma espécie de âncora contra o sono. Conhece todos os buracos da estrada, desvia antes mesmo que a gente perceba que eles existem. Ele também sabe onde o sinal de celular morre, e onde os bois costumam atravessar a pista.
A conversa baixa entre os passageiros, o barulho do ventilador que nunca funciona direito, o aviso do cobrador: “Próxima parada em dez minutos”, tudo faz parte de uma coreografia já ensaiada. É como se, por algumas horas, todo mundo ali se tornasse uma pequena família silenciosa, ligada pelo mesmo destino incerto.
No fim da viagem, cada um desce e carrega consigo não só malas e sacolas, mas também o peso de suas urgências. E o ônibus segue. Leva novas histórias, novos silêncios, novos olhares grudados na janela. Viajar pelo interior não é só atravessar paisagens.
É ser atravessado por ela.
Lin Quintino

Lin Quintino – Mineira de Bom Despacho, escritora, poeta, professora e psicóloga. Academia das quais faz parte: Academia Mineira de Belas Artes – AMBA / ANLPPB- cadeira 99, / ALPAS 21, sócia fundadora, cadeira 16; / ALTO; / ALMAS; / ARTPOP; / Academia de Letras Y Artes Valparaíso (chile); / Núcleo de Letras Y Artes de Buenos Aires; / ACML, cadeira 61 Membro da OPB e da Associação Poemas à Flor da Pele. Autora dos livros de poemas Entrepalavras e A Cor da Minha Escrita. Comendas: destaque literário da ALPAS-21, / Ubiratan Castro em 2015 pela ABRASA / Certificado pela ALAF de Destaque Literário em 2014 7 Troféu destaque Mulheres Notáveis – Cecília Meireles- Itabira/MG, 2014 Participou de várias coletâneas e antologias nacionais e internacionais.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”