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Retrato do Cotidiano – Por Lin Quintino

Uma mensagem da mãe: “Me liga quando puder”

Retrato do Cotidiano

Por Lin Quintino

Ela acorda às 6h15. O despertador toca com aquela música irritante que ela jurou trocar há meses, mas nunca troca. Esfrega o rosto, boceja, estica o corpo como quem se prepara para uma batalha. Porque, de certo modo, é isso que o dia se tornou: um campo minado de pequenas urgências.

Vai direto pra cozinha. Liga o fogo, põe água pro café. Enquanto espera, olha pela janela. A vizinha do prédio da frente já está estendendo roupa. Um ritual. Um movimento repetido que não precisa mais de pensamento. São tantas as ações assim, automáticas, que a gente já nem percebe que está vivo.

O café sobe. Ela volta correndo, desliga o fogo, derrama o líquido quente na caneca rachada — aquela que ela não troca porque tem uma memória grudada nela, mesmo que ninguém mais entenda. Bebe devagar, como se o mundo não estivesse esperando. Mas está.

Depois, o dia entra no ritmo: trânsito, fila no banco, e-mail atrasado, reunião que poderia ser um áudio de dois minutos. Uma mensagem da mãe: “Me liga quando puder”. Um boleto que chega como um lembrete do que não dá trégua. Um sorriso trocado com o porteiro. Um “bom dia” murmurando resistência.

No fim da tarde, quando o Sol começa a se despedir devagar, ela passa na padaria. Compra pão quente. O cheiro invade a sacola e o peito, como se fosse uma lembrança boa voltando devagar. Em casa, tira os sapatos, senta no sofá, suspira. Olha para o teto como quem olha para dentro.

Lá fora, o mundo gira. Lá dentro, ela sobrevive. Com pequenas alegrias, pequenos cansaços, e aquela sensação estranha de estar sempre em falta, mas ainda assim tentando. Todos os dias. Como tantos outros.

Esse é o retrato. Sem moldura dourada. Sem filtro. Só a vida, como ela é: confusa, linda, exaustiva, cheia de detalhes que ninguém vê — mas que fazem tudo valer.

Lin Quintino

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