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VASTOS PENSAMENTOS – Por Angeli Rose

“O pessoal acha que freira é uma mulher boboquinha, que não arrumou marido e se trancou num convento” [risos]

Por Angeli Rose – Jornal Clarín Brasil JCB News – Belo Horizonte em 23/01/2021 às 08hs17mins

Mais uma daquelas pesquisas que são buscas de cópias da internet como “trabalho autoral” – como minha professora costuma insistir ao final de cada tarefa proposta, ou melhor, imposta. A de hoje é sobre uma escritora premiada que é freira! Freira? Pois é mesmo. Ela é freira e sobre isso já descobri um depoimento muito curioso dela: “O pessoal acha que freira é uma mulher boboquinha, que não arrumou marido e se trancou num convento” [risos]. “E não é nada disso, pelo contrário, as freiras foram, durante muito tempo, as únicas mulheres letradas, tinham uma liberdade intelectual muito maior do que as que estavam sob o domínio de algum homem” depois de ler isso por aí. Já nem me lembro em que site, blog. Sei lá! (Pior que preciso dar as tais “referências”, como a professora exige e diz que é pra evitar plágio. Aliás, esses termos “autoral” e “plágio” são os que mais ouço na aula de Cultura brasileira).

Foto: Divulgação. Adriano Franco

Então, depois de ler alguns comentários sobre ela, a Valéria Rezende, já que é dela que se trata, e acessar a Wikipédia dela, quer dizer, do nome dela, sobre ela, até fiquei meio de boa. Vi que a mulher é bem esquisita e do contra. “Freira do contra”? Como a minha avó mineira diz: “- Esse mundão de Deus tá é virado de ponta a cabeça!” E sempre que diz isso, embala a contar alguma história engraçada, pelo menos pra mim. Outro domingo, depois do almoço, sentou na cadeira de balanço, chamou a gente pra pertinho dela – ainda tentei me esquivar, mas não deu – e desatou a alugar animadamente a nossa atenção. Foi uma boa história, admito. Era sobre uma tal mulher que ela conheceu – ela sempre conhece as personagens das histórias contadas –  que saiu lá do alto do Nordeste brasileiro e foi parar no Rio Grande do sul procurando o irmão que não via fazia muitos anos. Nós queríamos saber logo se a mulherzinha encontrou ou não o sumido, mas a vovó tinha um jeito todo dela que alongava mais o tempo sem que a gente sentisse. O modo como falava, descrevia as pessoas citadas, os locais que destacava para situar todos nós, enfim, os causos viravam sagas que escutávamos envolvidos pelas artimanhas daquela contadora de histórias.

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A escritora Valéria Rezende, que também foi premiada por contar bem a sua história inventada em forma de romance – por isso ficou muito famosa – segundo a pesquisa que fiz pela internet chegou a ganhar alguns prêmios. Vou colocar isso no meu trabalho. Ele está com cara de “dossiê” sobre a Valéria Rezende. E eu nem tenho vocação pra jornalista investigativo, ou agente censor: Ganhou o Prêmio Jabuti de 2009 na categoria literatura infantil com “No risco do caracol”, em 2013, categoria juvenil, com “Ouro dentro da cabeça” e em 2015 nas categorias Romance e Livro do Ano de Ficção, com “Quarenta dias”.

Em janeiro de 2017, recebeu o Prémio Casa de las Américas pelo livro “Outros Cantos”, e, pelo mesmo romance, ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura e o terceiro lugar no Prêmio Jabuti em novembro de 2017. 

Caramba! A mulherzinha freira é da hora… Agora, quando vi o retrato dela pela primeira vez, foi um susto. Ela é muito séria. Por que será que os mais velhos têm de ficar tão sisudos quando adiantam na idade? Minha mãe diz que é a “maturidade”. Meu pai contra responde a ela observando que é falta de motivo pra sorrir. Aí minha tia, irmã do meu pai, diz que ele não devia falar essas “coisas” na frente da gente (eu e meus 3 irmãos mais novos). Ou por que é freira?

A verdade é que até me divertir quando nas buscas feitas sobre “Valéria Rezende” só encontrei 6 míseras citações da obra dela no “Pensador”[ https://www.pensador.com/autor/maria_valeria_rezende/ ] e muitos artigos acadêmicos sobre os textos dela. A professora alerta que a gente não precisa chegar a tanto lendo esses textos “científicos” ou de crítica literária. 

Olha o que encontrei: a) Como hoje, uma palavra, uma imagem, um gesto bastavam para fazer ressurgir outros, lembranças, ao sabor dos acasos, como os vários rolos de um filme projetados fora de ordem, ajudando-me a reconhecer o desconhecido.

                                      b) Eu descobria que o mundo era feito em grande parte de gente desaparecida, gente que não deu mais notícia e gente desesperada atrás ou a esperar conformadamente pelos sumidos.

                                    c) Nada como a luta contra o caos material pra fazer a gente pôr os pés no chão.

                                   d) Naquele mundo de escassez, a força e a beleza do trabalho humano saltavam aos olhos, eu aprendia a viver ali, retomava esperanças, ia, aos poucos, deixando descansarem em paz os meus mortos e perguntando-me quando seria capaz de saber o que fazer para transformar em nova vida as injustiças e dores.

                                  e) Eu nem percebi, naquele dia, quando saí de casa atrás de um quase imaginário, um vago Cícero Araújo, que estava, na verdade, correndo atrás de um coelho branco de olhos vermelhos, colete e relógio, que ia me levar pra um buraco, outro mundo. Também, que importância tinha? Acho que eu teria ido de qualquer jeito, só pra cair em algum mundo, sair daquele estado de suspensão da minha vida num entremundo, sem nem por um momento me perguntar como nem pra onde havia de voltar.

                               f) Quem tem saudade tema na vida uma riqueza.

Nem vou usar todas no trabalho porque acho que nem dá. Esses fragmentos não vêm com indicação precisa de quais obras foram tiradas. E isso costuma dar o maior problema na avaliação. Sei de muitos colegas que perderam pontos por causa disso.

Mas bem que fiquei pensando sobre algumas delas – deve ser por isso que o nome do site é “Pensador”. E se o objetivo é dar a pensar, eles conseguiram, os produtores de conteúdo e desenvolvedores do site. Primeiro aquela referência às pessoas “desaparecidas” me lembrou da história que minha avó contara. Gostei dessa: “contara”. A professora comenta que estou aprimorando muito minha expressão com esses trabalhos e as leituras que estou fazendo. “Não dou linha pra resenha dela, ou como minha mãe diz “Bárbara! Você não dá o braço a torcer”. E até desconfio que ela tem alguma razão agora…

Esse negócio de “desaparecido” de repente ter mais importância, porque de minoria passar a maioria, na visão da escritora, ou melhor, na voz narradora, é bem do jeito que um dia aprendi na aula de Língua Portuguesa: negócio > negar o ócio. Brincava com as palavras outro professor maneiro, zoando que estava “cometendo uma licença poética” com a “verve” frustrada de poeta. Pode?  Daí, desse “negócio”, voltei pros “desaparecidos” e saltei pela ponte das ideias pra noção de “Maneirismo” que a outra professora de Literatura Brasileira tinha apresentado à turma. Caramba! É uma salada!?

Também não é muito diferente quando estou fazendo essas tarefas de “pesquisa” na internet e vou voando de uma janela a outra pra encontrar e esclarecer as informações que me chegam. Foi o caso do pensamento da Valéria (Freira) sobre o “mundo de escassez” dela. Achei de uma beleza isso que nem sei direito explicar. Mas sentir senti. E muito. Parece que tem certo idealismo alimentado pela “esperança”, e também acho, acho mesmo, que ela escreve sobre um mundo mais justo, diferente, através do trabalho. Aí não teve jeito, o link feito foi com a aula de Sociologia. Lembrei da professora, outra, explicando o “marxismo” que hoje a gente escuta ser uma “ideologia comunista”. Será que a Valéria é comunista? Acertei na mosca! Ela é “comunista”. Vai ver por isso parece tão séria… Nas minhas andanças encontrei uma entrevista concedida à revista “Marie Claire”. De vez em quando leio essa revista no salão que frequento pra fazer a unha, enquanto espero a manicure. A chamada dizia assim: 

Maria Valéria Rezende: Freira, comunista, escritora e feminista.

Ela já fumou maconha, lutou contra a ditadura e foi amiga de Fidel Castro. Como missionária, deu a volta ao mundo quatro vezes, alfabetizando adultos e crianças. Morou na China, na Argélia, no México e no Timor Leste (…). 

Frei Betto no lançamento de seu livro “Fidel e a Religião” em Cuba [https://diplomatique.org.br/o-vasto-mundo-de-maria-valeria-rezende/ ]

Claro que aproveitei tudo isso pro meu “dossiê”. A galera vai à lua quando escutar que a mulher já fumou maconha, conheceu Fidel Castro, esse, sim, é mito. A chamada é boa e é um convite à leitura da matéria. Não é? Minha mãe me contou há um tempo que participou de um workshop com Frei Beto e ficou maravilhada com a visão dele sobre a vida, o mundo e tantas outras coisas que fazem o cotidiano. 

A verdade é que tem mesmo muita gente sofrendo no mundo e é mais do que urgente a gente fazer algo pra mudar esse estado de coisas. E quando li “sair daquele estado de suspensão da minha vida num entremundo”. Empaquei. A essa altura eu já tinha conseguido identificar que alguns desses fragmentos pertenciam ao romance Quarente Dias. Me deixei levar por alguns bons minutos pensando sobre esse “estado de suspensão”. E me vi exatamente nesse “estado de suspensão” ao tentar compreender pela leitura o que a autora estaria a querer dizer. E não sei por que fiz uma analogia com o poema do Carlos Drummond de Andrade. Vai entender!?! Achei que aquilo tinha a ver com “tinha uma pedra no meio do caminho”. Como se a “pedra” o que nos faz perceber que há algo pra ser notado estivesse ali pra gente se colocar em suspensão. Entendeu? Nada, né? Nem eu. Mas eu senti que tava tudo certo e era isso. Você fica pensando num problema e se demora nele esquecendo o resto do mundo, mesmo o problema sendo do mundo. Ou não. Depois refletindo e relendo, considerei que também poderia ser que o trecho estivesse sugerindo que a personagem queria era sair do “mundinho” em que se encontrava, sem sentido, sem graça, o tal do “entremundo” numa suspensão anestesiante. É uma sensação de que se está isolado do resto do mundo, sem contato com a realidade. É o que meus professores falam que a gente vive numa “bolha”. Gostei mais dessa ideia. 

E aquele trecho sobre o “caos material”? Se só da mesada acabar antes do fim do mês ficou meio desarvorada, o que dizer de quem passa necessidade por não ter renda suficiente? Show! Gostei tanto quando li esse textinho que entendi ter gostado definitivamente da escritora indicada. 

Não concluí meu “dossiê” ainda, mas decidi começar a ler um dos livros da Valéria Rezende. Entre um clique e outro, encomendei o livro. Pronto. O que tinha contos, porque é mais fácil de ler e acabar logo. Além disso, vou poder contar pra vovó algumas histórias, dando um descanso pra ela. Acho que vou gosta de Vasto mundo, afinal, quero mesmo sair desse “estado de suspensão” em que sou obrigada a viver por causa do Enem. Que coisa estranha é isso. A gente estuda pra conhecer melhor o mundo em que vive e ao mesmo tempo, por ter de estudar tanto a gente se percebe num exato alheamento. Isso deve ter a ver com injustiça social e desigualdade social…


Angeli Rose é carioca, geminiana, professora, pesquisadora (PhD em Educação/UFRJ),colunista do Jornal Clarín Brasil (digital) a convite do amigo e presidente da AMBA, Paulo Siuves. É autora de Biografia não autorizada de uma mulher pancada, entre outros. É antologista com participações em obras lusófonas (Algumas: Palavreiras; Além da Terra, Além do céu; Registros femininos; Poesia Atemporal; Conexões Atlânticas). É membro de diversas associações e academias de Letras, Artes e Ciências (OMDDH;FEBACLA;AVL;CONCLAB/CONNINTER;ALG;NALAP; e outras). Como idealizadora e coordenadora do COLETIVO MULHERES ARTISTAS, organizou uma série de atividades para o CMA no FSM (23 A 30/1/2021). Este conto é resultado das primeiras incursões na obra da escritora Maria Valéria Rezende para um trabalho que desenvolve. https://www.facebook.com/capitu33/http://lattes.cnpq.br/4872899612204008 https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=217908

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