Todavia, o conhecimento não elege terrenos frutíferos, ele germina em qualquer
solo ou contexto
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 24/04/23
A partir do momento que se torna radical questionar a justiça com base de reivindicar acesso
igualitários a todos, o problema não está na pauta, mas sim no que chamamos e praticamos por
justiça. A ideia de justiça, em um plano no qual se impôs um processo longo e violento de
colonização, traz concomitante ao primeiro gesto de si, o próprio sentido adverso. A justiça é uma
prática de injustiça, que embora possa transitar entre eufemismos cândidos transvestidos de técnica,
conformidade ou norma, ainda é a celebração de injustiça que recorre a uma base segregada de acesso ao justo. Calcada assim, nas hierarquias da diferença e manutenção cínica dos privilégios.
Ora, buscando um retrato atual podemos começar a pensar na lógica de justiça de forma acessível a
quaisquer interlocutores que aqui me lê. O acesso a justiça é condicionado a mediação de um
profissional, esse que tem que sobreviver tem um custo para o empregador. Ainda que em pratica
alternativas, é fornecida pelo estado a ideia de garantir um acesso público. Acesso a um mediador
publico não garante ao requerente ou requerido dedicação plena ao processo, ainda, para acessar esse direito na maioria das instituições, é necessário passar por um processo de saber, dialogar e investirum tempo, sobretudo, vista ao que seja direito, perpassar por um processo moroso pela sobrecarga de requerimento.
Só aqui nesses exemplos citados já pensamos que o acesso não é igual entre pessoas que tem um alto
acesso econômico para dispor em uma defesa e uma pessoa com baixa condição econômica que
necessita de ser defendido por um defensor publico, que por sua vez tem também uma alta demanda
para atender 1. A representação dos defensores públicos de São Paulo defende que os mais
prejudicados pela condenação prematura em segunda instancia é a população mais vulnerável. Cerca
de 800 mil pessoas em 2019 demandam o servirço contrapondo o déficit de defensores de 5000
profissionais para atender a demanda social, sendo em SP, 6000 defensores disponíveis para atender o
publico carente. Outro destaque da pesquisa é o perfil do publico que buscam acesso a justiça onde
apontam que 54% da população que acessam a defensoria publica não concluíram o ensino de base, o
que afere sobre o nível de informação disponível para acessar o direito. No entanto o aproveitamento
de defensores públicos é consideravelmente maior, absolvendo ou mudando a sentença de mais
pessoas em segunda instancia, do que os advogados particulares. A dificuldade de explicar a lógica
racista no exercício da justiça esta fincado nas subjetividades trançadas no processo penal, que vão
desde o exercício dos agentes de segurança até a formação da mentalidade social no qual os
profissionais responsáveis pela aplicação da justiça também são educados a reproduzir uma norma
racista.
1 https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/defensoria-publica-supera-advogados-particulares-em-casos-revistos-porstj-e-stf.shtml
Dada a forma obscena em que os números se apresentam nos presídios e instituições de cárcere é
necessário questionar a própria formação social que normaliza a pratica do racismo. Urge pensar que
os negros são alvo de maior suspenção policial. A pesquisa da socióloga Dyane Brito Reis aponta
costumes lombrosianos ( que afere suspeita em cima de estereótipos) sendo praticadas e
instrumentalizadas como orientação na instituição policial. Isso explica a população carcerária quase
que absoluta da população negra, cerca de 90%2 (pretos, pardos e nordestinos para fins de assimilação dos dados disponibilizados pelas secretarias de segurança publica). Ser negro no Brasil faz a pessoa ,segundo pesquisa, ter até 5 vezes mais chances de ser abordado pela policia. Ainda soma a esse fenômeno a o levantamento do tribunal de justiça de São Paulo, o índice de condenação de negros no Brasil é superior a de brancos. Destacam que 84% dos processos analisados de condenação de negros tiveram testemunho exclusivo da policia, ainda, em analise das penas destinadas observa maior severidade as pessoas negras. Isso não fere somente a presunção da inocência que todo cidadão deveria gozar, fere também o direito de acesso a justiça. Cruzando os dados com a pesquisa da defensoria publica e o dossiê do IPEA da população negra3 nota-se que o publico atendido pela
defensoria publica coincide com a faixa socioeconômica da população onde a maioria é negra. Posto,
por fim, o resultado dessa pratica da justiça estruturada em uma lógica racista, no Brasil existe
instituições como os Centros de Detenção Provisória (CDP) e Centros De Remanejamento De Presos
(CERESP), que na ultima década se tornaram de salas nas delegacias á complexos prediais enormes,
onde as pessoas são apreendidas sem o processo legal devido. Somado a pratica que tem a população
preta como alvo predileto da apreensão, quando desprovido de recursos para acessar a justiça, são
encarcerados enquanto aguardam julgamento em uma antecipação injustificada de pena. É comum que um cidadão não passe por essas instituições se tiver acesso econômico e capital de informação pararecorrer nos plantões de juízes. Posto a presunção da inocência como um direito constitucional. No entanto a realidade é que a população carcerária dessas instituições não acessam nem a informação e nem os recursos para se valerem de seus direito primários.
Essa pratica infame da justiça não esta localizada em um setor somente, é transversal a todo
entendimento de justiça no que cabe as instituições que exercem o poder da lei. É mitológico que as
pessoas que exercem a lei possam se desnudar de sua formação objetiva e subjetiva para performar
alguma persona isenta. Na gênese da pratica de justiça no Brasil se vê abusos tais quais as mulheres
negras que foram usadas para satisfazer os desejos sexuais dos seus senhores, desejos que não podiam 2 Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) 3 https://www.ipea.gov.br/retrato/pdf/revista.pdf
ser realizado pelas suas mulheres não negras. É de suma importância lembrarmos a data que ainda se
comemora a abolição da escravidão vista a perspectiva não negra, celebra também o ponto em que
fomos fadados as injustiças que ainda são nocivas ao nosso povo. É hipócrita entendermos que é
somente um dia de comemorar a abolição da escravidão como um ato em que as pessoas não têm o
direito a nada do que produziu por centenas de anos, simplesmente ao ledo gozo de pensar que fomos “salvos” quando jogados ao relento. É necessário recordar da Lei do Ventre Livre, lei 581 titulares de Eusébio de Queiroz extinguindo a importação de escravos pelo Brasil, A revolta das chibatas que
promoveu o primeiro ato de abolição ainda antes da lei Aurea, revoltas quilombolas diversas que
foram constituindo nossa liberdade, para que em determinado momento, ela fosse mediada por quem
nos escravizava. Vale para notas apanhar a lei dos sexagenários passou a viger em 1885 garantiu a
liberdade a todos os escravos que contassem com mais de 60 anos de vidas, no momento que
destacamos que esses negros escravizados considerados “Liberty” com 60 anos de idade já estavam
totalmente debilitados e machucados pelos períodos em que estavam sincronizados, ou seja , inválidos para o trabalho, produzindo o que os escravocratas tinham como nítido prejuízo. Momento
condicionado a várias conveniências da lógica de exploração, ao ponto em que ainda acessando essas
leis, “trabalhar por mais três anos” era visto como forma compensatória dos serviços explorados.
Posto a fragrante orgânica social que como basilar tem princípios acolhido pela pratica do racismo, é
impossível pensar que somente as mudanças de leis podem por si só curar a sociedade de sua pratica
mais perversa. A mudança cultural é impermutável, e deve se impor pela regramaticalização da
sociedade, atuando nos campos da história, linguagem, filosofia, educação e tendo sua materialização
no que concebemos como direito e sociedade. A justiça no Brasil foi constituída de forma racializada,
desdês os primeiros conceitos de quilombos, que tem reunião de negros como uma infração e
atentado a ordem 4 , até os dias de hoje onde instituições são construídas para garantir que somente um seguimento social aguarde acesso a justiça em condição de cárcere.
Fato é que não podemos, e nem pretendemos aqui, mudar a história. A história acontece em todos os
momentos em diversos lugares, do momento que escrevo até o momento que lê. Do momento que
alguém em algum lugar do mundo está criando a cura para uma chaga, até que nesse mesmo
momento em outro lugar alguém está criando mecanismos de extermínio em massa. A história que
nos chega nas escolas é uma seleção do que é relevante para um projeto de estado que assimilemos
como conhecimento. Todavia, o conhecimento não elege terrenos frutíferos, ele germina em qualquer
solo ou contexto. E isso nunca foi diferente em nenhum momento da existência humana e não
humana. Aqui, o posicionamento radical é entender que uma história monóstica não é história. E por
fim uma justiça que não seja para todos, não é justiça, é na pratica, a celebração do privilegio sobre os
oprimidos. Acredito ser isso reflexão necessária para fomentar a mudança.
4 Malheiro (1867b, p. 20)
https://www.gilbertosilvaadvogados.com/
Dr. Gilberto Silva Pereira: Advogado, historiador, escritor, mestre em teologia, Doutorando em Direito Pelo Funiber, pós graduado em direito civil e processo civil, pós graduado em direito constitucional aplicado, pós graduado em direito penal e processo penal, pós graduado em história da cultura Afro brasileira, Juiz Arbitral, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais, Presidente da RARI-MG, Colunista de Jornais e blogs, Presidente da Igualdade Racial da Anacrim, Autor do Livro “A GENESE DA (IN) JUSTIÇA.