Ao longo da história da humanidade, a justiça tem sido, até hoje, uma ferramenta para aplicar injustiças àqueles que, por questões de sobrevivência ou convergência de valores, não estão incluídos na prática da cidadania.
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 21/05/23
Nestes tempos, devemos nos ater ao fato de que a história da justiça da população negra não começa na escravidão do branco. É estapafúrdia essa relação e demasiada sem fôlego.
Ao pensar a justiça em sua essência, somos convocados a adotar uma percepção do fenômeno, distinguindo assim o que veio a se tornar justiça em forma de instituição. A noção de justiça pode ser produzida e praticada nas micro e macro relações. Não é absurdo pensar que um lar de uma família tenha seu próprio sistema de justiça, ou que, ao portar um corpo, possa criar princípios que o conformem à sociedade, mesmo que à revelia de uma norma social, desde que não atinja o que seja consensual para viver em coletividade. Obviamente, pensando nos processos de colonização, é tácito, embora evidente, que múltiplos grupos sociais, inerentes a um livro, tendem a atender a um senso de justiça. A justiça, em sua forma basilar, é uma conformidade com o que é ordeiro, com o que é direito e consensualmente orgânico das relações sociais, o que nos separa da egolatria, sendo essencial para que qualquer célula se organize. Cada grupo social irá organizar ou regular o que seja justo, conforme a dinâmica necessária para a convivência em coletivo, seja em países, continentes ou até mesmo no mundo, de forma não necessariamente harmônica e poucas vezes com valores equivalentes entre grandes grupos, considerando o período histórico. Esse justo bronco é muitas vezes compelido por outros sentidos de justiça igualmente rústicos. É fatídico que, por diversas vezes, um senso de justiça de um país tenha sido pretexto para exterminar com extrema selvageria outro país que, por presunção de valores civilizatórios, julgava o adverso como selvagem, reduzindo os aspectos culturais, cometendo atos tão bárbaros quanto o próprio senso de justiça condenava. Ora, de que outra forma uma cultura que abomina genocídio, morte, tortura e escravidão, mediante aquilo que constitui em direito, abdica desses valores para o extermínio massivo de uma população que não é filiada às práticas de demandas territoriais?”
A ideia de justiça, sob uma perspectiva filosófica ou como fenômeno recorrente na sociedade, é uma ideia orgânica que busca, em seu cerne, os primeiros conceitos de poder. Ao longo da história da humanidade, a justiça tem sido, até hoje, uma ferramenta para aplicar injustiças àqueles que, por questões de sobrevivência ou convergência de valores, não estão incluídos na prática da cidadania. É uma reflexão que devemos resgatar ao pensar sobre o negro e sua constituição no Brasil.
O fato é que reivindicar justiça quase sempre significa reivindicar uma injustiça, e esse padrão tem se fortalecido ao longo do tempo, sem ser superado. O vício constitucional é uma imagem vívida disso. Não são poucas as vezes em que, por várias dinâmicas jurídicas, o indivíduo precisa compreender seu lugar de subalternidade para acessar um direito. É icônico na história o período em que pessoas escravizadas só podiam buscar direitos se se reconhecessem como escravos. Ora, se essa dinâmica é absurda, como ainda podemos ver a ideia de que um julgamento será racista para exercer o que é um direito?
Resolver crimes inclui a ideia de investigação. Em uma sociedade perfeita, deveríamos considerar todos os seres humanos iguais. Assim, ao longo da história, a noção de justiça nunca se manifestou materialmente como uma forma de justiça, mas, ao contrário, mais frequentemente como uma forma de injustiça, agravada pelos processos de submissão cultural da colonização. A prática da justiça, portanto, é um campo limitado para a ascensão humana, muitas vezes credenciando o que é justo aos dominantes e praticando a injustiça contra os dominados. Dessa forma, nunca houve uma mudança real da forma mais primitiva da lei, nunca nos afastamos da barbárie do “olho por olho, dente por dente”; apenas ao longo dos anos, tornamos a barbárie mais sofisticada e pomposa
E assim, eis a questão: existe justiça ou não para o povo preto?
No próximo artigo, farei uma reflexão sobre o sistema de justiça e as pessoas pretas no Brasil.
(Com revisão gramatical por Paulo Siuves)
Dr. Gilberto Silva Pereira: Advogado, historiador, escritor, mestre em teologia, Doutorando em Direito Pelo Funiber, pós graduado em direito civil e processo civil, pós graduado em direito constitucional aplicado, pós graduado em direito penal e processo penal, pós graduado em história da cultura Afro brasileira, Juiz Arbitral, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais, Presidente da RARI-MG, Colunista de Jornais e blogs, Presidente da Igualdade Racial da Anacrim, Autor do Livro “A GENESE DA (IN) JUSTIÇA.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”