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AS PER-VERSÕES DO MITO DE DON JUAN – Por Angeli Rose

Há entre especialistas algumas considerações importantes referentes à transformação do personagem criado por Tirso de Molina, Don Juan, em mito

Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 25/06/23


Esta semana vieram à tona os cursos de sedução que alguns estrangeiro com
diferentes nomes em locais diferentes têm ministrado, geralmente, para
homens ricos e inseguros.
Cursos caros, na base de R$12mil para os “Coaches da Sedução” em São
Paulo, por exemplo. Neles, tais homens inseguros cursam um conteúdo que irá
“capacitá-los para seduzir e “pegar” mulheres ao redor do mundo.
E não parece tratar-se apenas de um curso ingênuo, mas há investigação em
torno do tráfego de mulheres, de drogas,etc…
A notícia rodou mundo e o nosso país, principalmente, porque as mulheres que
participaram das festas-estágios estão com seus perfis até hoje atrelados à
propaganda dos cursos. Além disso, outras tantas se indignaram ao verem-se
tratadas como mercadorias de mais ou menos acesso, dependendo da
cantada.
A notícia lembrou-me o mito literário de Don Juan,enquanto matriz de modo de
pensar e estar no mundo,ainda que seja no mundo masculino.
Apresento,então, o argumento a título de refrescar a memória do leitor e da
leitora desavisada.

O ARGUMENTO DE DON JUAN


Não consigo recordar qual foi a origem deste Don Juan: algo com certeza muito obscuro e
remoto, uma dessas ideias que permanecem segundos na consciência e depois se ocultam
para germinar em silêncio ou nele morrer. Mas o que posso assegurar é que Don Juan nasceu
de uma indigestão de realismo. (Don Juan, Gonzalo Torrente Ballester)

Um nobre jovem espanhol, desterrado em Nápoles, onde seu tio é embaixador,
seduz uma duquesa, passando-se pelo noivo durante uma noite e entrando em
seu quarto para estar com ela. Mas é descoberto na ação e tem de fugir.
Consegue sair do local sem ser descoberto, com a ajuda de seu tio. Viaja em
seguida para a Espanha, mas o barco em que está naufraga e é salvo por uma
humilde pescadora, que também é seduzido por ele, sob a promessa de
casamento, tão logo se recupere. Depois de ter os seus favores, a abandona e
vai para Sevilha, onde o rei, inteirado do delito cometido em Nápoles, resolve
puni-lo casando-o com a duquesa seduzida, e o noivo enganado, Don Otávio
com Dona Ana, filha de um importante Comendador. Acontece que Dona Ana
ama o marquês de Mota, sem que seja pública esta paixão. Através de Don

Juan ela faz chegar ao amado uma carta em que marca um encontro amoroso.
Don Juan trai o amigo e vai ao lugar dele, ao encontro de Dona Ana, repetindo
o delito de Nápoles. O enganador é descoberto pelo Comendador, que é
assassinado por Don Juan. Entretanto, a culpa recai sobre o marques que
chega logo depois do ocorrido ao local. Em seguida Don Juan seduz outra
jovem. Um tempo depois, chegam a duquesa e a pescadora à Sevilha, e
sabendo de suas estripulias, o marquês e o duque clamam por vingança. O rei
está convencido de que é necessário puni-lo e dá ordens de perseguição. Don
Juan entre numa igreja para esconder-se e depara-se com a estátua do
Comendador que ele havia assassinado. Don Juan e a estátua travam um
diálogo: Don Juan convida a estátua para jantar com ele, convite que é aceito e
em momento seguinte é a estátua que o convida para jantar.


Ao final, Don Juan é tomado pela mão da estátua do Comendador e levado
para os infernos, cumprindo-se o castigo por todos os danos causados em sua
vida. Cabe lembrar que, embora não se tenha mencionado qualquer cena com
a presença do criado, ele é um dos personagens que acompanha Don Juan em
suas conquistas e fugas, além de ser aquele que propaga as conquistas de seu
patrão.
Este argumento básico circulou em diversas versões dramáticas pela Espanha,
sendo que a primeira aparição oficial é de Tirso de Molina, cuja autoria também
é discutida, (o próprio Tirso também escreveu mais de uma versão para Don
Juan).

O texto dramático definitivo apresenta uma estrutura que não segue a
teorização aristotélica das três unidades: espaço, tempo e ação. Como Lope de
Vega, Shakespeare e tantos outros importantes dramaturgos. Tirso de Molina
desestabiliza a unidade dramática. Segundo Lopez-Vasquez (1996)29, a
unidade do espaço é desconsiderada, como o itinerário mostrado no
argumento evidencia, além disso, este mesmo itinerário coloca em cena a ação
dupla da fuga e da perseguição, que tem como princípio a transgressão, mas
igualmente dupla através noção de castigo.


Há entre especialistas algumas considerações importantes referentes à
transformação do personagem criado por Tirso de Molina, Don Juan, em mito.
Segundo Carmen Bezerra Suarez (1997), por exemplo, para o sucesso e o
processo de mitificação do personagem de Tirso, interessam ser registradas: a
rápida difusão, considerado um fenômeno neste aspecto, dadas as condições
da época; o fato de perdurar no tempo pelas diversas versões que rapidamente
foram surgindo; uma estrutura que apresenta flexibilidade em termos de
variações (espaço, personagens secundários, etc…); as temáticas de grande
alcance, a dupla temática amor e morte; e a relação com o sagrado; e por
último, a capacidade de mover psicamente o receptor (leitor ou espectador).

Também é possível por visão mais simplificada do argumento básico reparar
em três grupos de personagens, a saber: o morto, que funda uma outra linha
mítica, a da fantasmagoria; o grupo feminino, das conquistas de Don Juan; e o
grupo do ‘herói”, Don Juan, o criado, sendo os demais personagens masculinos
divididos entre os amigos fanfarrões e os fidalgos associados ao poder e ás
personagens femininas mais diretamente.
Os estudos contemporâneos sobre o mito, segundo Suarez, obedecem às
principais linhas temáticas para as versões do século XX, que nós aqui
reproduzimos o quadro traçado pela autora:
a) Don Juan como exemplo de incapacidade de amar;
b) Reafirmação das qualidades tradicionais;
c) Paródias jocosas ou imitações de Don Juan;
d) Don Juan ao inverso: medo ás mulheres e ao amor;
e) Recriação do mito.
Parece que a “sedução” voltou à cena social,assim como traços do mito
literário de Don Juan,como é da natureza de um mito, retornar, circularidade da
vida que não se conhece evitando “cem anos de solidão”. E porque evita, a
atrai.


Portanto, fique de olho em golpes de sedutores de plantão, não bastassem os
inúmeros golpes que o cotidiano acelerado e pós-moderno tem nos pregado,
ainda teremos de lidar com os homens que querem seduzir as mulheres sabe-
se lá para o quê. As perversões do mito do sedutor, um burlador de 1ª. linha
poderá surpreendê-la.
Até a próxima!


(Excerto do livro Reflexões sobre experiências de leitura e algumas
contribuições do mito de Don Juan,Ponta Grossa: Atena
editora,2017,impresso e e-book,por Anggeli Rose)

ANGELI ROSE é professora, pesquisadora, carioca, mãe de Thiago Krause, tem vários
títulos honoríficos, atua intensamente no âmbito cultural, mas atualmente revê todas as conquistas, redimensiona as escolhas feitas e as parcerias estabelecidas, porque ao final e ao cabo, tudo pode escafeder-se em poucas horas, ou pela guerra mundial, ou pelo individualismo vigente que desmancha tudo o que parece sólido ainda.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”

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3 Replies to “AS PER-VERSÕES DO MITO DE DON JUAN – Por Angeli Rose

  1. Parabéns doutora Angeli Rose.
    Sempre que leio suas colunas, me delicio. Um verdadeiro aprendizado. Gratidão por fazer- me recordar Don Juan e também por colocar- me a par do novo golpe.

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