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ABELHAS FALECIDAS – Por Paulo Siuves

Nossa Senhora Mãe de Deus! Que mau cheiro é esse??? – Indagou ele, com os olhos arregalados e a mão sobre o rosto.

Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 31/07/23

Ontem, tive que sair mais cedo do trabalho contra minha vontade devido a um incidente com criaturas inesperadas: uma colônia de abelhas africanas. O comportamento agressivo das abelhas foi desencadeado por um mecânico de elevadores desavisado, resultando em ataques às pessoas que estavam no local. A cena foi caótica, com mulheres gritando e homens descontrolados. Tinha até um cara que parecia mais forte que o fumacê dos bombeiros civis treinados para enfrentar esse tipo de situação, mas na hora do “vamovê” arriou as quatro rodas defronte dos bichinhos que não desanimaram diante do veneno nem das fumaças que usaram para enfrentar o ataque. O prédio, localizado no centro de Belo Horizonte, mais precisamente na Praça Sete de Setembro, conhecida popularmente como Praça Sete, tornou-se palco de uma inusitada agitação causada pelas abelhas africanas.

Em meio ao alvoroço, houve um ponto positivo: fomos liberados para casa no meio da tarde sem prejuízo no salário. Era bom demais para ser verdade. Fui agraciado com um inesperado happy hour  e, entusiasmado, dirigi-me com três amigos a um bar na Avenida Augusto de Lima, a algumas quadras do nosso local de trabalho. As amigas, prudentemente, preferiram o transporte público, descendo na porta do estabelecimento e, com bom humor, nos contatando pelo celular para tirar onda com suas brincadeiras.

No bar, logo pedimos uma cerveja para “esfriar o radiador”. Porém, no meio da animação pela saída antecipada (contra minha vontade, vale lembrar), percebi que havia esquecido de desligar meu computador no escritório. Ainda que o conteúdo estivesse seguro no servidor central, a possibilidade de queda de energia me deixou apreensivo, fazendo-me cogitar a confiabilidade do nobreak. Enquanto divagava sobre isso, um amigo solicitou a especialidade da casa: bolinho de feijão com hortelã, perfeito para acompanhar a cerveja gelada. Sucumbi ao excesso do petisco, preferindo, em seguida, apreciar o saboroso peixe à dorê, com aquele molho rosê feito de “sei lá o quê” misturado com “aquilo tudo” que fica um tanto quanto bom.

Pra variar, exagerei na porção de feijão e achei melhor parar um pouco e comer o peixe que parecia delicioso, mas o molho, sei lá, eu deveria ter evitado. Ainda mais que fazia tempos que não comia peixe. Então parei de comer e fiquei na cerveja até a hora de ir embora. Contudo, a combinação dos alimentos resultou em um desfecho indesejado, gerando uma indisposição que não costumava sentir mesmo após exagerar na bebida. A perspectiva de uma catástrofe tornou-se uma incômoda realidade.

Na manhã seguinte, despertei com a higienização pessoal matinal de sempre, seguida de uma aspirina e um remédio para amenizar os gases, que coloquei discretamente no bolso do paletó. A água, abundante, tornou-se minha fiel aliada, assim como o café acompanhado de torradas, a única refeição possível diante das circunstâncias. A visita ao banheiro, porém, não trouxe alívio. Que coisa! Só gases e odor desagradável… parecia um aviso. Mas, ainda assim continuei meu trajeto ao trabalho.

Ao chegar ao escritório, meus companheiros de noitada demonstravam-se prontos para outra, em nítido contraste com meu estado de fragilidade. Sentindo-me como um tambor ambulante de gás metano prestes a explodir o prédio inteiro, ansiei pelo horário do almoço, almejando um momento para aliviar minha condição; uma caminhada certamente me faria bem. Cinco minutos antes do meio-dia, tomei outro remédio contra os gases e encaminhei-me ao elevador. A angústia aumentou a cada andar percorrido, e a sensação de umidade em minha testa, além dos sons indesejáveis, denunciava minha incômoda situação.

Mal a porta de ferro metálica se abriu, eu me joguei no cubículo do transporte vertical interno. Minha barriga parecia se comportar como uma gelatina em agitação, prestes a estourar. Me contorcia de dores; entretanto, sabia que era uma dor de barriga seca, cheia de nada, pois já havia estado no banheiro algumas vezes para tentar solucionar o problema, e a única coisa que acontecia eram estrondosos sons de flatulência que eu não tinha controle para conter. Entrei no cubículo metálico e a porta me fechou na minha solidão. Coloquei as mãos na parede e deixei o problema se resolver. Um sonoro pum ecoou no fosso do elevador, parecia que descia e subia como um trovão que ressoa nas paredes dos prédios da Praça Sete, fazendo toda chuvinha ter o som de uma violenta tempestade. Dois andares abaixo, a porta se abriu, e para meu constrangimento, um colega do setor de contabilidade entrou. Seu rosto estampava incredulidade diante do odor extremamente forte.

– Nossa Senhora Mãe de Deus! Que mau cheiro é esse??? – Indagou ele, com os olhos arregalados e a mão sobre o rosto.

Sem alternativa, tive de improvisar uma história para amenizar o constrangimento:

– Isso, meu amigo, é o veneno contra o enxame de abelhas de ontem. Isso fede que uma tristeza.

Incrivelmente, a farsa foi bem-sucedida, e meu colega aceitou a explicação com certa compreensão, imaginando a cena trágica das abelhas agonizantes. Nunca acreditei que poderia mentir com tamanha desfaçatez a ponto de convencer o meu companheiro naquela curta viagem

– Minha nossa! Mas é tão fedido assim? – Dizia ele agora balançando a pasta que trazia na mão para afastar um pouco o mau cheiro.

O desafio, no entanto, estava apenas começando. Em meio a risos contidos, enquanto tentava manter a pose, a sensação de gases continuou, e a cada andar que se passava, o constrangimento aumentava.

– Isso porque as abelhas morreram ontem, você vai ver daqui a uns três ou quatro dias. O mau cheiro que isso vai exalar. Elas morreram caindo direto para o fosso do elevador.

– Pior que você deve ter razão. Sem forças para voar… – Ele olhava para o teto do elevador e parecia ver as abelhas voando em seu derradeiro zumbido, agonizando e perdendo altitude, caindo para o vazio do fosso entre os cabos de aço do elevador.

– Pois é, parceiro. O mau cheiro tende a piorar. – Agora eu não conseguia mais encarar o pobre coitado que dividia o mau cheiro que saía de mim para o compartimento do elevador do prédio.

– Ontem eu não vim ao escritório. O negócio estava feio aqui, né?

– Com certeza. Tinha abelha por todos os lados. – Lembrei especialmente do Ferreira que abanava as mãos sobre a cabeça para evitar o ataque ensandecido das abelhas, mas o que ele conseguia era atrair a atenção delas para ele, e ele pulava e abaixava-se ao mesmo tempo. Meu colega, percebendo a gravidade do cheiro, decidiu descer alguns andares antes do térreo, evitando a exposição ao odor insuportável.

Eu não podia acreditar em mim mesmo, na minha cara de pau em pôr a culpa nas falecidas abelhas, mas era o que eu pude lembrar na hora. A única válvula de escape do momento de sufoco avergonhado.

– Cara, acho que vou descer alguns andares pelas escadas. O mau cheiro está terrível.

– Você tem razão, eu também vou. Se bem que estamos praticamente no fim da viagem…

Quando eu disse isso, ele apertou o botão do terceiro andar, mas esse passou direto. Desesperado, ele apertou o botão do primeiro andar, do pilotis e da garagem de uma vez. O elevador parou no primeiro andar, e ele desembarcou.

– Vou continuar. Vai ser melhor para mim, e minhas narinas não estão muito boas por causa de um resfriado fora de época. Uma mistura de alívio e constrangimento me atingiu.

– Boa viagem… – As portas se fecharam com meu ex-companheiro de viagem do lado de fora

A situação era realmente cômica, e eu não conseguia conter o riso assim que a porta do elevador me tirou do campo de visão do colega. Ria, soltava pum, ria de novo, e o mau cheiro continuava. A comédia no elevador prosseguia até o térreo, onde um pequeno grupo aguardava para embarcar naquela “nave do terror olfativo”, ainda sem suspeitar da fonte do odor desagradável. As portas se abriram no térreo, e eu fingi estar tonto com o mau cheiro, culpando um fictício “Zé-Ninguém” pelo ato inconveniente, ao mesmo tempo que bradava insultos para afastar qualquer suspeita de minha pessoa. Com esforço, continuei a atuação até deixar o prédio.

O episódio, embora hilário em retrospecto, serviu como lição. Enquanto divagava sobre o comportamento das abelhas africanas, percebi que minhas próprias ações poderiam levar a consequências inesperadas, tornando-me alvo de situações embaraçosas. A experiência com as “abelhas falecidas” foi um alerta para a necessidade de autodomínio e prudência em minhas escolhas diárias, assim como uma lembrança divertida de que, mesmo em meio a situações embaraçosas, o bom humor pode ser uma ferramenta eficaz para lidar com os desafios cotidianos.

Paulo Siuves nasceu em julho de 1971 na cidade de Contagem, Minas Gerais, e é bacharel em Letras pela UFMG. Além disso, ele é autor de dois livros e organizador de coletâneas. Atua como servidor público municipal e faz parte da Banda de Música da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte. Paulo Siuves é colunista nos jornais Clarin Brasil e Cultural Rol. Ele possui um Ph.I. em Filosofia Universal e um Dr.H.C. em literatura. Paulo Siuves é ex-presidente e membro fundador da Academia Mineira de Belas Artes (AMBA) e também é membro da Academia de Letras do Brasil nas seccionais Suíça, Minas Gerais (RMBH) e Campos dos Goytacazes/RJ, além de pertencer a muitas outras academias.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”

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