Por Paulo Siuves / Jornal Clarin Brasil 25/11/2019 07h00min
Acordei com a mais forte sensação de que preciso trabalhar em outra área que não seja da segurança pública. Quero acordar com a tranquilidade de que não estou saindo de casa com um alvo desenhado nas minhas costas. Ser policial é viver com essa mórbida sensação, de que algo horrível pode acontecer simplesmente porque esse profissional quer desempenhar bem sua missão, e trabalhar corretamente é pescar um inimigo público por dia, há dias que a pescaria rende mais do que o esperado e o número de inimigos cresce. De qualquer jeito, o “polícia” é uma persona non grata em nossa sociedade.
Eu pensei “poxa! Sou escritor, posso prestar um concurso para trabalhar em alguma coisa que posso aproveitar esse dom”. Meus textos não são lá grandes coisas, mas as pessoas aprovam. Meto-me a escrever uns contos, dou umas canetadas em alguns poemas, já fiz duetos com outros poetas, tenho até um blog… As pessoas gostam das coisas que escrevi, por causa desses textos em prosa e em versos, ganhei alguns prêmios. Dois desses prêmios são internacionais. Nesse ano, 2019, fui cotado para duas situações; fui indicado para constar entre os melhores poetas do ano, premiação que acontecerá no próximo ano, nos Estados Unidos, e também para ser membro da Academia de Letras João Guimarães Rosa, da PMMG. Não passei em nenhuma das duas indicações, mas, sinceramente, sinto-me mega presenteado por ter meu nome circulando por essas paragens culturais, diante disso, me ponho a pensar; não é possível que nada disso possa servir para que eu concorra a uma vaga no mercado de atividades culturais.
Fato é que, cogitei várias vezes prestar outro concurso ou ir para a iniciativa privada, trabalhar sem fabricar inimigos todos os dias. Vida de escritor é uma vida rara; escritor de verdade não liga para ganhar dinheiro com seus produtos, ele pega a sua “caneta azul” (azul caneta tá marcada com minhas letra) e escreve, visceral e compulsivamente. Talvez minha relutância em me assumir como escritor seja pelo fato de que eu tenho períodos de ‘entressafra’ e não escrevo o tempo todo. Tenho amigos que escrevem religiosamente todos os dias, escrevem como almoçam e jantam, escrevem como se suas vidas dependesse disso, algumas vezes sinto esses rompantes, noutras, passo um longo período sem produzir um verso que preste. No entanto, quando a hora de escrever vem… Amigo! Escrevo todo tipo de forma literária, componho sonetos, escrevo contos, faço resenhas, ate as provas na facul se tornam mini teses. Por isso penso reiteradamente em me lançar a novos desafios.
Porém, como toda moeda tem dois lados… ontem, vivi uma situação em que devo agradecer a Deus por ser Guarda Civil Municipal. Presenciei um acidente de trânsito, um jovem de aproximadamente 25 anos, e uma mulher bem mais velha que ele, se envolveram num abalroamento sem muita gravidade. O jovem, essa nossa juventude temperamental, desembarcou de seu veículo aos berros, ultrapassando todos os limites do convívio racional em sociedade. Ele dizia que a senhora havia batido nele, nesse momento, tive que intervir, afinal, sou servidor público, fardado ou não.
Façamos aqui uma digressão necessária. Estamos vivendo uma época em que as pessoas valorizam demais as coisas, hoje em dia damos importância maior ao “ter” do que ao “ser”. Estamos materialistas num nível estarrecedor! Olha a situação dessa discussão em que os carros colidiram causando pequenos estragos, o jovem desce do carro afirmando que a outra pessoa bateu ‘nele’! Não foi nele, foi no carro dele… Voltemos ao contexto.
Desembarquei da minha moto e fui em direção à contenda com intenção de trazer o rapaz à realidade, a mulher estava muito nervosa e em choque, ela não esboçava reação alguma ante ao ataque do rapaz que crescia cada vez mais pra cima dela. Comecei a mediação tentando conversar, mas ele não queria conversas, queria soluções mágicas. Aumentei minha postura para me impor diante dele, ele inflou ainda mais o peito para continuar seu discurso ofensivo e injurioso destinado a ofender à outra vítima, e eu, postado firmemente entre os dois, perguntei pra ele o que mudaria se eu fosse parente dela; filho, ou marido, ou irmão, se tivesse qualquer grau de parentesco com ela, se ele iria parar de ofender a mulher. Ele ergueu as mãos na altura do meu peito e gritou: Fodas. Então saquei minha carteira e deixei minha arma à mostra e, com a identidade no rosto dele, perguntei: E se eu for policia? Ele arregalou os olhos, diminuiu até a altura dos pneus dos carros e disse: Aí eu perdi! A partir desse momento pudemos conversar civilizadamente e pude conciliar uma solução amigável. E se eu não fosse um “Polícia Municipal”? Ser guarda civil tem seu lado bom. Mas ser escritor é muito bom…
Paulo Siuves é escritor, Formando da Universidade Federal de Minas Gerais, Presidente da Academia Mineira de Belas Artes, Embaixador Cultural da Academia de Letras do Brasil, Músico e Agente de Segurança Pública em Belo Horizonte, e escreve semanalmente para o Jornal Clarin Brasil