O racismo religioso não é apenas uma questão de preconceito; ele também traz consequências reais para os praticantes.
Jornal Clarín Brasil – JCB News – Brasil 21/10/2024
Racismo Religioso: Entre a Intolerância e o Preconceito
Gilberto Silva Pereira
O racismo religioso é uma forma de discriminação que envolve a intersecção entre preconceito racial e intolerância religiosa. Ele ocorre quando determinadas crenças religiosas ou práticas espirituais são desvalorizadas ou marginalizadas, geralmente porque estão ligadas a um grupo racial ou étnico específico. Essa forma de preconceito, que atinge principalmente as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, reflete o histórico colonialista e a estrutura social de desigualdade que ainda está presente em muitos países.
1. Origens do Racismo Religioso e as Religiões de Matriz Africana
O racismo religioso tem raízes históricas que podem ser traçadas ao período colonial. Durante a colonização das Américas e da África, as religiões africanas foram classificadas como primitivas e, frequentemente, vistas como algo a ser “civilizado” ou “erradicado”. De acordo com o sociólogo Kabengele Munanga (2004), “a escravidão foi o principal fator para a desvalorização das culturas africanas e, consequentemente, de suas práticas religiosas”. A imposição de uma religião dominante, como o cristianismo, contribuiu para o apagamento cultural e espiritual dos africanos escravizados.
Com o passar do tempo, as religiões afro-brasileiras passaram a ser sinônimo de atraso e ignorância, sendo marginalizadas por uma sociedade que adotou uma visão eurocêntrica. Essa visão não só prejudicou os praticantes dessas religiões como também contribuiu para a perpetuação de estereótipos e práticas discriminatórias.
2. O Racismo Religioso no Brasil: Intolerância e Criminalização
No Brasil, o racismo religioso é evidente principalmente em relação ao Candomblé e à Umbanda. Segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o número de denúncias de intolerância religiosa cresce anualmente, e a maioria das vítimas é praticante de religiões afro-brasileiras. Essa intolerância muitas vezes se manifesta por meio de agressões físicas, depredação de terreiros e campanhas de ódio nas redes sociais.
A antropóloga Livia Reis (2018) observa que “a criminalização das religiões afro-brasileiras é um dos exemplos mais claros de como o racismo religioso se apresenta. Os terreiros são constantemente atacados e os rituais, frequentemente desacreditados como superstição ou magia negra”. O termo “macumba”, por exemplo, é amplamente usado de forma pejorativa para desqualificar essas práticas, sem qualquer consideração pelo seu valor cultural e espiritual.
3. Racismo Religioso e a Influência da Mídia
Outro ponto importante é o papel da mídia na perpetuação do racismo religioso. Muitas representações de religiões afro-brasileiras em novelas, filmes e outros meios de comunicação acabam reforçando estereótipos negativos, associando-as ao mal ou à prática de atividades ilegais. De acordo com a pesquisadora Vânia de Oliveira (2019), “a falta de uma representação positiva contribui para a manutenção de uma visão racista e intolerante sobre essas religiões, que são frequentemente demonizadas em produções culturais”.
Essas representações reforçam a visão de que as religiões africanas são “perigosas” ou “inferiores”, em contraste com as religiões abraâmicas, que são apresentadas como civilizadas e superiores. Essa construção simbólica afeta diretamente o modo como a sociedade vê e trata os praticantes de religiões de matriz africana.
4. As Consequências Sociais do Racismo Religioso
O racismo religioso não é apenas uma questão de preconceito; ele também traz consequências reais para os praticantes. Muitos adeptos das religiões de matriz africana são obrigados a ocultar sua fé para evitar discriminação no local de trabalho, na escola ou até mesmo na vizinhança. Como afirma a socióloga Flávia Rios (2020), “a liberdade religiosa é um direito fundamental garantido pela Constituição, mas, na prática, muitos indivíduos têm seu direito de culto violado devido ao racismo religioso”.
Além disso, o racismo religioso contribui para a exclusão social e para a perpetuação de desigualdades raciais. Essa discriminação reforça a estigmatização dos negros e da cultura africana como um todo, minando os esforços de inclusão e igualdade.
5. Caminhos para a Superação do Racismo Religioso
Para superar o racismo religioso, é essencial promover o conhecimento e o respeito às diversas tradições religiosas presentes em nossa sociedade. A educação é um dos meios mais importantes para desconstruir estereótipos e promover a aceitação. Munanga (2004) aponta que “a inclusão do ensino sobre as culturas africanas e afro-brasileiras nas escolas é uma ferramenta poderosa na luta contra o preconceito”.
Políticas públicas também devem ser implementadas para proteger os terreiros e garantir a liberdade de culto dos praticantes das religiões de matriz africana. Leis que combatem a intolerância religiosa devem ser aplicadas de forma efetiva, e os crimes de ódio precisam ser punidos com o devido rigor.
Conclusão
O racismo religioso é uma realidade que está profundamente enraizada na sociedade, especialmente quando se trata das religiões de matriz africana. Ele é um reflexo de um passado colonialista que ainda influencia a maneira como certos grupos religiosos são percebidos e tratados. Para combatê-lo, é necessário um esforço coletivo, que envolva a educação, a mídia e a aplicação de políticas públicas que garantam a liberdade e o respeito à diversidade religiosa.
Como bem disse Munanga (2004), “a diversidade cultural é a riqueza de uma nação, e o respeito a ela é fundamental para a construção de uma sociedade justa e igualitária”. O combate ao racismo religioso é, portanto, uma luta pela preservação da dignidade e do direito de todos a viver e expressar sua fé livremente.
Referências
– Munanga, Kabengele. “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra.” Petrópolis: Vozes, 2004.
– Reis, Livia. “Intolerância religiosa e racismo: a criminalização das religiões de matriz africana.” Revista de Estudos Africanos, 2018.
– Oliveira, Vânia de. “Representação midiática das religiões afro-brasileiras: reforço de estereótipos e preconceitos.” Comunicação & Sociedade, 2019.
– Rios, Flávia. “Liberdade religiosa e racismo: desafios e perspectivas.” Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2020.
https://www.gilbertosilvaadvogados.com
Dr. Gilberto Silva Pereira: Advogado, historiador, escritor, mestre em teologia, Doutorando em Direito Pelo Funiber, pós graduado em direito civil e processo civil, pós graduado em direito constitucional aplicado, pós graduado em direito penal e processo penal, pós graduado em história da cultura Afro brasileira, Juiz Arbitral, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais, Presidente da RARI-MG, Colunista de Jornais e blogs, Presidente da Igualdade Racial da Anacrim, Autor do Livro “A GENESE DA (IN) JUSTIÇA.