O primeiro gole sempre trazia algo de mágico: um pedaço de memória, talvez de outros tempos, mais simples, menos corridos.

Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 17/02/25
Aquele cafezinho, um sonho
Lin Quintino
O café estava ali, fumegante na xícara de porcelana descascada, herança de uma tia-avó que ninguém conheceu direito. Era sempre assim: a rotina começava com aquele gole amargo, quente, o único que ainda fazia sentido.
A cidade acordava aos poucos lá fora, barulhos de ônibus, buzinas, gente apressada correndo sem saber ao certo para onde. Mas, aqui dentro, o tempo parava.
O cheiro do café era um abraço apertado, desses que a gente não recebe mais. O aroma dançava pela sala, se misturava com a poeira da manhã, o som das notícias na televisão e o leve ronronar do gato. Sentia-me quase segura ali, naquele instante suspenso. O primeiro gole sempre trazia algo de mágico: um pedaço de memória, talvez de outros tempos, mais simples, menos corridos.
Lembrava-me de quando o café era um evento, não apenas combustível para enfrentar o dia. Preparado com cuidado, em fogão de lenha, cheiro invadindo a casa, provocando sorrisos de gente reunida. Hoje, era só mais uma tarefa, uma pausa entre e-mails e mensagens que não paravam de chegar, como um trem desgovernado. Mas naquele pequeno espaço de tempo, no instante em que a xícara encostava nos lábios, tudo isso desaparecia. Era só eu e o café, como um encontro secreto.
O café esfriava aos poucos, assim como o sonho que começava a sumir no horizonte. Tinha sido um sonho bom, daqueles que a gente não quer acordar. Nele, não havia pressa, nem cobrança, nem o cansaço de sempre. Havia conversa fiada e risadas soltas, coisas que pareciam tão distantes agora.
Ao terminar a última gota, olhei pela janela. A vida me chamava de volta, com sua urgência impiedosa. Mas ainda havia um restinho de sonho naquele café. E, quem sabe, fosse suficiente para fazer o dia menos pesado.
Afinal, era só mais um dia, mas o café… ah, o café, esse continuava sendo um pequeno milagre cotidiano.
Lin Quintino

Lin Quintino – Mineira de Bom Despacho, escritora, poeta, professora e psicóloga. Academia das quais faz parte: Academia Mineira de Belas Artes – AMBA / ANLPPB- cadeira 99, / ALPAS 21, sócia fundadora, cadeira 16; / ALTO; / ALMAS; / ARTPOP; / Academia de Letras Y Artes Valparaíso (chile); / Núcleo de Letras Y Artes de Buenos Aires; / ACML, cadeira 61 Membro da OPB e da Associação Poemas à Flor da Pele. Autora dos livros de poemas Entrepalavras e A Cor da Minha Escrita. Comendas: destaque literário da ALPAS-21, / Ubiratan Castro em 2015 pela ABRASA / Certificado pela ALAF de Destaque Literário em 2014 7 Troféu destaque Mulheres Notáveis – Cecília Meireles- Itabira/MG, 2014 Participou de várias coletâneas e antologias nacionais e internacionais.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”