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Academia Mineira de Belas Artes – Angeli Rose

Aquela menina resiste em mim, me chamando para caminhar, beijar delicadamente o rosto de meu filho e sorrir para uma amiga quando as palavras se equivocam

Por Angeli Rose – Academia Mineira de Belas Artes/ Jornal Clarín Brasil JCB – Belo Horizonte em 14/10/2020 às 06hs05mins

NOSSO PRESENTE: FUTURO DAS CRIANÇAS DE AGORA

                                                                                               Angeli Rose

Lembro-me ainda da criança que fui: ia a pé de manhã para a escola (pública!) com a turma da vizinhança, rindo, achando graça de tudo pelo caminho (Confesso, às vezes tocávamos as campainhas de algumas casas, escolhidas aleatoriamente). Fui tímida, mas gostava de brincar de ser cantora, modelo e atriz e  algumas vezes arriscava ser a professora da garotada da rua. Brinquei muito de Queimado e Pique-esconde em Vila Isabel(RJ) bairro em que morava. Fazia também algumas coisas por obediência e falta de entendimento do que estava sendo proposto. Gostava de comer feijão com arroz fresquinho e ovo frito com gema mole antes de ir pra escola, quando passei para a série mais adiantada e mudei de turno. Eu tinha minha turma e meu irmão mais velho, a turma dele. Enfim, uma infância plena, se pensarmos que as contradições domésticas e sociais faziam parte daquele cotidiano.

Hoje, me recordo daquela menina que fui e que ainda fica perplexa ante tantas contradições de nossa humanidade fragmentada e às vezes insensível perante as tragédias que assolam os povos, como: o drama das guerras; dos refugiados; dos sem-teto; da matança de jovens negros com o selo do engano e do racismo; dos feminicídios diários; da fome aqui e na África; de uma ironia como “O Haiti é aqui” ser tão plástica esteticamente e ao mesmo tempo ser tão trágica. Uma beleza que causa estranhamento profundo, se a contemplamos na canção de Caetano Veloso. Aquela menina resiste em mim, me chamando para caminhar, beijar delicadamente o rosto de meu filho e sorrir para uma amiga quando as palavras se equivocam.

Entretanto, o que decidi trazer para essa “conversa” comigo mesma e com você em meio à “sindemia”, leitora e leitor, foi a iniciativa de uma jovem de trezes anos, carioca, que se ensaiou na arte de meditar e registrar algumas meditações, através da escrita. É uma pequena composição de Isabel Gomes Teixeira, minha sobrinha, acadêmica mirim da ALB/Campos dos Goytacazes, da qual se tornou membro correspondente. Assim, passo a transcrever os escritos em prosa de Isabel, sob o título de A PAZ DENTRO DE SI E NO MUNDO:

   Paz, uma palavra tão simples com um grande significado, algo que realmente parece ser fácil de trazer à Terra, porém, há muitas coisas que não contribuem para isso acontecer, assim havendo vários motivos para que ela não seja espalhada através do nosso vasto planeta.

   Paz no mundo, algo que todos desejam, mas dificilmente seria capaz de ser alcançado, já que apenas quem pode realmente trazê-la são aqueles que a possuem dentro de si e estão dispostos a demonstrá-la através de bons atos e ações.

Vocês, leitor e leitora, talvez tenham uma criança por perto para motivar  e  da qual se orgulhar, ou para apoiar no desenvolvimento dela. Esse “perto” vai longe, sabe? É aquele que nos move no cotidiano e nos faz buscar canais para ajudar as crianças órfãs, ou abandonadas pelo poder público, ou, antes, abandonadas por nós mesmos ,quando correndo no dia-a-dia ,ficamos insensíveis de pensar saídas que salvem o futuro de crianças e que vão além de vestir meninas de rosa e meninos de azul.

 Isabel comoveu a mim, sua tia, mas também comove a outrem, certamente, por sua singeleza, simplicidade e ao mesmo tempo perspicácia que dá a ver o quanto a destituída intimidade dos tempos atuais é necessária para recuperarmos a dignidade de sermos humanos, honrando de fato e de discurso a mais importante característica que nos aproxima a todas, criaturas criativas deste mundo. A mesma intimidade que levada ao extremo pelo advento das redes sociais com suas selfs, por exemplo, foi e vem sendo insistentemente destituída, pelo avesso do reverso. Ou, a intimidade que foi apagada pela corrida ao ouro dos tolos, já que time is money, máxima da aceleração da modernidade e desta modernidade tardia.

Assim, o que me move buscar certa intimidade com os leitores é esse imenso desejo de provocar mais do que reflexões, mas incitar você, leitor e leitora a compreender a extensão de nossa responsabilidade cotidiana: ser uma cidadã melhor e um cidadão melhor implica diretamente construir um futuro para cidadãos mirins de agora. As crianças são reconhecidamente cidadãs, obra da Constituição brasileira vigente, no nosso caso, no entanto, é preciso mais do que isto. É preciso que as crianças recebam de nós, cidadãos e cidadãs, condições que lhes deem um presente de dignidade e um futuro melhor que o nosso presente.(Utopia?)

Pois sim, proponho um jogo com você, que ainda está aqui na leitura dessa crônica. Leia o fragmento que apresento do livro Tu não te moves de ti de Hilda Hilst. E desde já peço desculpas ao leitor e à leitora (e leitore!) – para sair do binarismo linguístico e social e por ombrear a prosa de Isabel com a prosa magnífica de Hilda, mas acredito e trabalho pelo futuro agora. O livro é composto por três novelas, foi lançado em 1980. O trecho de “Axelrod” surge quando o personagem responde a uma questão, portanto, é uma resposta. É o seguinte:

“Nada, roda sempre cuspindo a mesma água, axial a história meus queridos, feixes duros partindo de um só eixo, intensíssima ordem, a luz batendo nos feixes e no eixo em diversificadas horas é que vos dá a ideia de que na história nada se repete, oh sim tudo, tudo é um só dente, uma só carne, uma garra grossa, um grossar indecomponível, um isso para sempre.”

Então, proponho o exercício de repontuar a gosto o fragmento de Hilst conferindo sentidos diferentes. Começo, a título de provocação: “Nada roda sempre cuspindo a mesma água. Axial, a história, meus queridos (…)”

O jogo proposto confere autoridade ao leitor, à leitora (e leitore) sobre a autoria de Hilda, apenas durante o jogo, que fique claro. Uma mudança sintática, e toda a perspectiva do texto muda. Assim também podemos nos situar na vida: como sujeitos, ou como sujeitados. Ou, ainda, como sujeitados, porém, conscientes de que deveríamos ser sujeitos.

Assim, deixo-os com algumas reflexões sobre o presente que está construindo o futuro das crianças e com elas também no presente.

ANGELI ROSE é pesquisadora, pós-doutoranda em Letras e PhD em Educação pela centenária UFRJ. Colunista do JCB (digital) às quartas-feiras, coordenadora do COLETIVO MULHERES ARTISTAS, délégués cultive (RJ),membro de diversas academias nacionais e internacionais(FEBACLA;CONCLAB;AVL;ALG;AILB;AJEB, entre outras). Recebeu vários prêmios como poeta e ativista cultural, além de ter sido “Destaque Cultural 2019” da OMDDH e nomeada “Embaixadora da Paz” pela mesma instituição e pela Literarte em 2020. Tem participações de coautoria em coletâneas e antologias nacionais e internacionais. É autora de Biografia não autorizada de uma mulher pancada e, entre outros, de Jornalismo Cultural: Um exercício de Valor. O texto de Isabel Gomes Teixeira integra a Antologia da ALB mirim/seccional de Campos – RJ, que está no prelo, e da qual ela é membro-correspondente mirim.

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