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Tempos do ‘novo normal’ – Por Paulo Siuves

O futuro é cruel e o destino brinca com nossa mania de controle; não controlamos o tempo

Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 17/07/2021

Os tempos estão cada dia mais corridos, a internet veio nos roubar o restinho de tempo e nos dividir em vários personagens ao longo do dia e da noite. Somos tantas pessoas que não dá tempo de sermos o que éramos a um ano, o fomos em nossa juventude; foi uma experiência que jamais se repetirá e o que vivemos na adolescência lá atrás, duas ou três décadas passadas, são blocos de lembranças e sonhos que muitas vezes não se realizaram, mas, representam nossa alegria na vida. Somos saudosistas por causa da velocidade que tentamos viver; a velocidade imposta a nós por nós mesmos – sociedade organizada em torno de muitas máscaras – mas, que necessitamos para dar conta de tantas funções distintas; pais, maridos, filhos, irmãos, parentes dos mais diversos graus e de pessoas das quais, algumas vezes, nem temos laços consanguíneos.

Somos motoristas, e muitas vezes nem nos damos conta de que estamos dividindo o trânsito com motos, bicicletas, carroças, ônibus e caminhões. Somos consumidores, temos que encontrar tempo para fazer a compra da casa, ou ir à farmácia, e ao sacolão (nalguns lugares é sacola cheia, noutros é verdurão); temos que adquirir os ‘miúdos’ da casa, pois não fazemos mais como nossos avós que faziam a compra do mês e abasteciam a despensa da casa, vigiando e anotando o que ia acabando. Somos telespectadores e precisamos dar conta do que se passa no futebol, senão vamos ficar de fora do assunto na roda de conversa do trabalho; temos que nos inteirar da CPI em Brasília e na Assembleia Legislativa para não fazer feio quando for conversar nas filas, que amamos: fila pra pegar ônibus – fila, pra comprar pão – fila, pra tomar vacina – fila pra trocar de fila… e agora criamos as filas drive thru pra nós adaptarmos ao “novo normal”.

Hoje em dia, notívagos são pessoas que não dormem, passam a madrugada na academia de ginástica, trabalhando home office, escrevendo como eu, fazendo qualquer coisa, produzindo de madrugada.

Paulo Siuves

Somos tantas gentes ao longo do dia que sequer nos damos conta do momento em que trocamos de máscaras; somos religiosos, não tão fanáticos como eram nossos antepassados, talvez por isso a Bíblia diz que “…o amor de muitos se esfriará” (Mt 24:12). Os tempos estão cada vez mais esticados, e a noite agora faz parte desse tempo de vida útil para gastar com aquilo que não é sono. É tão normal encontrar pessoas que dormem duas ou três horas por noite, que trabalham de madrugada e sentem que a produção rendeu mais do que se estivesse trabalhando de dia… Simplesmente porque de madrugada não há disputas do trabalho com o latido do cachorro, com a chamada ao telefone, com o toque da campainha, com as distrações pertinentes e próprias do dia. Antigamente, a definição social para a pessoa que mantinha hábitos notívagos era de pessoa que dormia tarde da noite fazendo algumas atividades próprias do dia. Hoje em dia, notívagos são pessoas que não dormem, passam a madrugada na academia de ginástica, trabalhando home office, escrevendo como eu, fazendo qualquer coisa, produzindo de madrugada. Como os animais de hábito notívago. Trocam o dia pela noite. De dia dá aquele sono. Apesar que são tantas as atividades durante o dia que nem dá tempo de sentir sono. Corremos para cumprir uma função, corremos para socorrer um parente ou amigo, corremos para executar uma função, corremos para isso, corremos para aquilo, que nem dá tempo de correr pra manter a saúde, corremos pra oficina mecânica, corremos para comprar, para vender, para negociar, e negociamos a própria vida pra termos um pouco mais de vida, que vamos gastar tentando arranjar tempo pra viver o que queríamos ter vivido, ou do jeito que gostaríamos de viver.

Mas, o futuro é cruel e o destino brinca com nossa mania de controle; não controlamos o tempo. Não controlamos o destino; só podemos dar tempo para fazer algo no presente, no momento em que deixamos de atender a necessidade afetiva. Perdemos tempo. Não volta mais. Tocar aquela música, ler aquele poema, olhar aquela risada, soltar aquela emoção! Esse é o melhor tempo gasto porque estamos sem máscaras. Esses são os verdadeiros valores; as cores das flores, os cheiros da natureza, os gostos das frutas, sentir com a mão, ou com a pele, a sedução das gramas e dos arbustos ao nosso redor que nunca olhamos e sentimos. Os tempos estão cada vez mais corridos, não deixe ele te engolir fazendo o que não te dá prazer e, o mais importante, aproxime-se de sua família e de seus amigos antigos.


Paulo Siuves é escritor, bacharel em Estudos Literários pela Faculdade
de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, presidente da Academia
Mineira de Belas Artes, Embaixador Cultural da Academia de Letras do
Brasil, músico e agente de segurança pública em Belo Horizonte, e escreve
semanalmente para o Jornal Clarín Brasil

paulosiuves@yahoo.com.br

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