Minha avó materna, vovó Argentina, era uma mulher negra, dona de um coração maior que o mundo. Seu sorriso acolhedor parecia abarcar tudo ao redor, envolvendo-nos em um afeto que não conhecia limites.
Jornal Clarín Brasil JCB News – Brasil 20/01/25
Os Anjos que Chamamos de Avós
Paulo Siuves
Nos vastos corredores da memória, onde o silêncio reina soberano, há figuras que resplandecem como quadros em um museu da nossa própria história: os nossos avós. Eles, com seus contos, carinhos e gestos, transformam simples momentos em gerações de amor e sabedoria. Algumas lembranças são como tesouros enterrados que, vez ou outra, reaparecem em nossas mentes, trazendo o calor de dias que não voltam mais. Refletindo sobre a importância das avós, revisitei minhas próprias memórias e reencontrei a força e o amor que elas imprimiram em minha vida.
Minha avó materna, vovó Argentina, era uma mulher negra, dona de um coração maior que o mundo. Seu sorriso acolhedor parecia abarcar tudo ao redor, envolvendo-nos em um afeto que não conhecia limites. Forte e dedicada, ela cuidava de todos com a generosidade de quem enxerga beleza nas pequenas coisas. Já meu avô João, com mãos calejadas e uma mente brilhante, era um inventor de soluções engenhosas que desafiavam a lógica. Para mim, suas criações eram mágicas. A “rádio Galena”, por exemplo, foi sua obra-prima inesquecível: um aparelho rudimentar, feito de pregos, arames e um autofalante, que trazia vozes e música para nossa sala. Era como se ele captasse o som do universo e o apresentasse a nós.
Do lado paterno, meu avô Chico era um homem cuja presença lembrava uma árvore centenária: forte, silenciosa e cheia de sabedoria. Sua pele escura como a noite, os olhos profundos e o porte imponente deixam carregar séculos de histórias. Ele tinha uma aparência que remetia aos personagens de filmes sobre a luta contra a escravidão ou a segregação racial, e, mesmo com minha breve convivência, as lembranças de seus braços fortes e brincadeiras ainda aquecendo meu coração. Já minha vó Santinha, como o próprio nome sugere, era o símbolo da doçura. Era nosso porto seguro, onde corríamos para receber cafunés e provar guloseimas. Dona de um colo inesquecível, ela falava baixinho, contava histórias e transformava qualquer lágrima em sorriso.
Como medir o impacto que eles tiveram em minha vida? Como comparar o carinho de vovô Argentina com as invenções de vovô João? Ou a força de vovô Chico com a doçura de vovô Santinha? As casas deles também traziam marcas distintas. A casa de vovó Argentina, repleta de árvores, bichos e inovações como o telefone fixo e a TV colorida, contrastava com a simplicidade acolhedora da casa de vovó Santinha, com suas parreiras de uvas, o fogão de lenha e as histórias contadas pelas tias. Cada uma dessas casas deixou traços únicos, como pinceladas em uma obra de arte que não pode ser replicada. Afinal, não se mede o que vem do coração.
Os avós são mais do que familiares; são guardiões da história, mestres em criar memórias afetivas e, muitas vezes, os alicerces de uma família. Ao olhar para trás, sou grato por cada instante que vivi ao lado dos meus. E, ao olhar para a frente, desejo que meus netos guardem em seus corações as memórias que estamos construindo juntos.
Hoje, como avô, entendo o quanto esse papel é especial. Tento ser para eles um reflexo do que minhas avós foram para mim: uma fonte de histórias, abraços e momentos inesquecíveis. Cada risada deles confirma que o amor que recebi está sendo passado confirmado. Quando os vejo, espero que as histórias que conto e o tempo que juntos se tornem tesouros para eles, assim como as lembranças dos meus avós são para mim.
Os avós não são apenas os guardiões das histórias familiares; são a ponte entre o passado e o futuro, conectando gerações com um fio invisível de amor e sabedoria. No final das contas, ser avô é uma vitória. E conviver com eles, um privilégio. Que podemos valorizar esses laços enquanto temos tempo, pois o amor que recebemos das avós é eterno e nos acompanha por toda a vida.
Afinal, ser avô – ou conviver com um – é um privilégio raro, que transforma o ordinário em extraordinário e nos lembra do poder eterno do amor
Paulo Siuves é um dedicado defensor dos Direitos das Mulheres, reconhecido
internacionalmente como “Embaixador da Paz” por seus esforços. Com um sólido
histórico acadêmico e honrarias em Filosofia e Literatura, incluindo os títulos de Doutor
Honoris Causa, Paulo apoia e promove talentosas escritoras, contribuindo para um
cenário literário mais inclusivo e igualitário. Seu compromisso com a justiça social e a
igualdade de gênero é evidenciado por suas inúmeras qualificações, incluindo cursos de
formação em Direitos Humanos, e pelo reconhecimento com o Troféu Evita Perón,
concedido pelo Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires.
As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Jornal Clarín Brasil – JCB News, sendo elas de inteira responsabilidade e posicionamento dos autores”