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CHICO CACHACEIRO OU SENHOR FRANCISCO ETILISTA CRÔNICO – Por Eluciana Íris

Por Eluciana Íris – Academia Mineira de Belas Artes/ Jornal Clarín Brasil JCB – Belo Horizonte em 17/10/2020 às 08hs07mins

A cachaça no Brasil é uma velha conhecida de muitos brasileiros desde o século XVII. O comércio dessa bebida foi tão crescente que o presidente do Brasil em 1996 a legitimou como produto tipicamente brasileiro e também foi transformada em Patrimônio Histórico Cultural.

Os estados que mais se destacam na produção desse destilado são: São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará Minas Gerais, Paraíba (fonte http://www.expocachaca.com.br/numeros-da-cachaca/)

O registro, a padronização, a classificação, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de bebidas têm o decreto nº 6.871/2009, e define a bebida. 

Art. 53. Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro.

§ 1oA cachaça que contiver açúcares em quantidade superior a seis gramas por litro e inferior a trinta gramas por litro será denominada de cachaça adoçada.

§ 2oSerá denominada de cachaça envelhecida a bebida que contiver, no mínimo, cinquenta por cento de aguardente de cana envelhecida por período não inferior a um ano, podendo ser adicionada de caramelo para a correção da cor.

A cachaça pode ser classificada quanto ao armazenamento: Cachaça pura, Cachaça prata, Cachaça ouro, Cachaça envelhecida: Cachaça Premium, Cachaça Extra Premium.

Tem degustadores por todos os cantos do Brasil e inúmeros são os apelidos da Cachaça, a riqueza da cultura brasileira leva a criatividade de apelidos bem diversificados e alguns inusitados. 

“O povo mais criativo que existe no mundo inteiro

É o povo brasileiro não tem como duvidar

Faz piada e bota logo um apelido

Ai cê tá perdido não consegue mais tirar” (Fábio Brazza)

 Você leitor conhece quantos apelidos? Alguns exemplos: arrebenta-peito, aquela-que-matou-o-guarda, água-que-gato-não-bebe, água-que-passarinho-não-bebe, água-benta arrepia-cabelo, Bafo de tigre, berdoega, birinaite, branquinha, café-branco capote-de-pobre, cotuvelada, dormideira destronca-peito, estricnina, encurta-caminho, enrola-chifre, feiticeira, forra-peito, garapa, goró, hidratada, Incha pé intrometida, jabiraca, jiribita, limpa-goela, limpa-trilho, marafo, marvada, mamãe-sacode, nó-cego, quebra-goela, otim-fim-fim, penicilina, pinga quebra-costela, remédio, tenebrosa, santo-onofre-de-bodegas, santinha, tira-frio, tira-juízo, uísque-brasileiro, urina-de-santo, venenosa, xarope-gale.

Não há como negar que apelidos para cachaça pelo Brasil afora não faltam e nem para o Chico morador da cidade de Porto Belo. O compadre Jerônimo presenciou todo o caso e contou no botequim da rodoviária para o Sr. Branco proprietário há 60 anos do estabelecimento e que já serviu milhares de doses de cachaça para o Chico. Sr. Branco que ficou de boca entreaberta ao ouvir o causo. 

O velho Chico tinha mais de 15 apelidos por ser alcoólatra, dependente de álcool por décadas. 

Eis que os apelidos pegaram no Chico desde novo. Tudo aconteceu quando Chico ia cambaleando rua afora bem no centro da cidade. Ia para um lado e para outro, envergava feito bambu. Quando todos achavam que ele iria cair de cara no chão, dava uma sacudida e tombava o corpo para trás, ia pertinho do muro de chapisco, quando ia bater a cara, parecia que o vento soprava e Chico aplumava o corpo e seguia linha a frente, por certo que a linha era em zig zag. 

A meninada da rua, acompanhava Chico sempre uns 500 metros até ele abrir o portão de sua casa, o cachorro vira lata de nome Querubim o recebia com uma lambida na cara. De longe ouvia as risadas da garotada, esses “diabinhos” gostavam de ver Chico xingar palavrões, isso porque ele odiava os apelidos que os chamavam por anos e anos.

 — Olha o Chico bebum, olha o Chico pau D’água, olha o Chico pinguço, olha o Chico pudim de cachaça, olha o Chico Pé de cana, olha o Chico Manguaceiro, olha o Chico…….

Chico tentava jogar pedras na garotada, mas não acertava nem de raspão, sua visão devia enxergar uns mil meninos na rua, sendo que na verdade tinha uns 5, suficientes para irritar um elefante de tanta chatura que era. 

Quanto mais Chico tentava brigar para não ter apelidos, mas os apelidos cresciam. Era em vão brigar. Fazer o quê na altura do campeonato, ele tentava aceitar, mas tinha dias que fiava enfurecido. Ele nem lembrava mais seu nome e sobrenome de batismo.

De vez enquanto ele ralava os joelhos de tombos na porta de casa, arrancava umas unhas dos pés por chutar pedras, ralava o cotovelo no muro de chapisco, fazia xixi na roupa dentro do botequim, e ele jurava que os outros colegas de cachaça que jogavam água nele, não aceitava ajuda de ninguém na hora de  ir embora. Comer era raridade, estava pele e osso.

A coisa foi ficando feia para o lado dele, cada dia bebia mais e mais. O pior aconteceu como previa a vizinha de frente.

Era quarta-feira de cinzas, Chico chegou em casa às 17 horas, mais tonto que uma porca. Subiu as escadas para seu quarto, quando de repente o teto rodou e ele desceu escada abaixo, feito abóbora caindo do caminhão. Ninguém viu sua queda, a não ser Querubim que latiu sem parar, desesperado. 

A vizinha dona Cândida, alma boa, foi até lá para ver o que estava acontecendo, afinal Querubim nunca latia tanto. 

Dona Cândida quase desmaiou ao ver Chico estatelado no chão, ensanguentando, e os dentes por todos os lados, seu joelho direito abriu ao meio. E Chico não respondia um A.

No desespero nem o Samu chamaram, colocaram Chico no carrinho de mão da obra do seu Gustavo e correram com ele para o hospital central, era uns 800 metros do local do acidente.

Imediatamente vieram os médicos, enfermagem e atenderam com urgência o pobre coitado do Chico. Ele não tinha família, os pais já eram falecidos, os irmãos moravam em outro estado, a esposa o deixou por não aguentar a bebedeira diária dele, os filhos foram com a mãe, mudaram de cidade, nenhum contato mais já havia uns 15 anos. 

Chico contava somente com os compadres Quinca e Jerônimo, também com a bondosa vizinha Cândida, que lavava de vez enquanto suas roupas e as roupas de cama, sem cobrar um tostão por isso.

O resultado da queda: o joelho teve que ser costurado, uns 20 pontos, não sobrou um dente na boca para contar a história, e a cabeça de Chico, ahh, essa foi para o espaço, entrou em coma alcoólico, assim foi o boletim médico. Não sabiam quando ele iria voltar do coma, tendo que ficar internado no CTI. 

A notícia espalhou mais que rastilho de pólvora pelas redondezas. 

Nas rodinhas de conversa era um coro só.

 – A maldita da Cachaça é a vilã, a culpada de tudo que acontece de ruim na vida dele. 

Mas outras más línguas disseram que não, que isso era obra do “coisa ruim”. 

Por via das dúvidas, foi iniciado por Dona Cândida um terço para melhora da saúde do seu velho vizinho. 

Passado uma semana, Chico desperta do coma e vai para enfermaria.

Lá fica sabendo dos detalhes de sua internação, dos pontos no joelho, da perda dos dentes e do coma alcoólico. 

Na hora que ele ouviu a palavra “coma alcoólico” sua cabeça deu um giro 180º graus, o que seria isso. 

Ele tinha pouco estudo, não gostava de ler, não gostava de conversar assuntos variados, o que gostava mesmo era de beber, beber e beber até cair.

Gostar de cair já é por conta dos mexericos.

Chico sentou na cama, quando chegou uma médica para conversar sobre o tratamento.

– Bom dia Dr. Francisco Benedito Pereira, meu nome é Dra. Estela, vou acompanhar o senhor. 

Neste momento Chico acha que morreu, porque alguém chegar perto dele é chamá-lo de senhor. Isso só podia ser do outro lado da vida. Esfregou os olhos e não acreditava naquilo. Por mais de 50 anos não ouvia seu nome Francisco muito menos trata ló como senhor.

Outra assistente foi até o seu leito e se apresenta. 

–  Dá licença, o senhor está com fome, já já seu café da manhã vai chegar. Chico ficou perplexo, neste momento teve certeza que estava morto, alguém preparar o seu café da manhã, nem quando era pequeno tinha essa mordomia.

Quando chegou o almoço, lanche da tarde, jantar e ceia, aí ele pediu o telefone celular com urgência.

Precisava enviar uma mensagem ao compadre.

Mensagem: Cumpadre Jerônimo, cê precisa me ajudar, minha cabeça tá pirada.

Tô em dúvida em 3 coisa.

Dúvida 1. Acho que morri, se eu morri se não vai ter como responder né, acho que não pega celular no céu. Se eu não morri, cê respondi rapidinho viu.

Dúvida 2. Acho que fiquei rico, tenho café da manhã servidu na cama, roupa de cama trocada todo dia, tualha limpa tamem, vem um moço faze curativo no joelho; vem uma moça perguntá se tô gostando da comida, se tenho alergia a comida, já penso eu cum alergia, como até pedra, bem cumpadre não posso negar né urtimamente bebia mais que cumia né?

A dotora disse que eu sou etilista crônico, gostei dessa palavra, é bem chique né, coisa de rico, por isso acho que ganhei na loteria. Me escreve se ganhei viu.

Dúvida 3. Tamém tô na dúvida se virei rei, aqui não pago nada, nem luz, nem água, nem comida, nem remédio preciso pagar, tem televisão, cumpadre, isso aqui é vida de rei. 

Tô achando que quero é morar aqui. Me escrevi se virei rei viu.

Última mensagem: –Fiz promessa para Nossa Senhora que não vou mais beber, se tiver vivo, preciso da sua resposta urgente, mais escrevi viu, quero tá vivinho da Silva.

E quando chegar lá na rua de casa, e aquela molecada ficar gritando Chico cachaceiro, Chico sei lá o quê, vou virar pra elas e dizê Chico Cachaceiro não, é SENHOR FRANCISCO ETILISTA CRÔNICO, me respeitem. Cês nem vem com apelido de pobre.

Nossa senhora que me perdoe, mas não posso perder esse apelido chique no úrtimo.

Agora a cachaça essa é MARVADA. Inezita tinha razão.

Música Marvada Pinga

Cantora: Inezita Barroso

Com a marvada pinga
É que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meu taio
Pego no copo e dali nun saio
Ali memo eu bebo
Ali memo eu caio
Só pra carregar é que eu dô trabaio
Oi lá
Venho da cidade e já venho cantando
Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho trupicando, xifrando os barranco, venho cambetiando
E no lugar que eu caio já fico roncando
Oi lá
O marido me disse, ele me falo: “largue de bebê, peço por favô”
Prosa de homem nunca dei valô
Bebo com o sor quente pra esfriar o calô
E bebo de noite é prá fazê suadô
Oi lá
Cada vez que eu caio, caio deferente
Meaço pá trás e caio pá frente, caio devagar, caio de repente, vô de corrupio, vô deretamente
Mas sendo de pinga, eu caio contente
Oi lá
Pego o garrafão e já balanceio que é pá mor de vê se tá mesmo cheio
Não bebo de vez porque acho feio
No primeiro gorpe chego inté no meio
No segundo trago é que eu desvazeio
Oi lá
Eu bebo da pinga porque gosto dela
Eu bebo da branca, bebo da amarela
Bebo nos copo, bebo na tijela
E bebo temperada com cravo e canela
Seja quarqué tempo, vai pinga na guela
Oi lá
Ê marvada pinga!
Eu fui numa festa no Rio Tietê
Eu lá fui chegando no amanhecê
Já me dero pinga pra mim bebê
Já me dero pinga pra mim bebê e tava sem fervê
Eu bebi demais e fiquei mamada
Eu caí no chão e fiquei deitada
Ai eu fui prá casa de braço dado
Ai de braço dado, ai com dois sordado
Ai muito obrigado!

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Eluciana Iris Almeida Cardoso, natural de Campo Belo MG, reside em Belo Horizonte, Brasil. Escritora, poeta, nutricionista, Bacharel em Direito. 

Vice Presidente da Academia Mineira de Belas Artes; membro das: Academia Luminescense Francesa, da Academia Núcleo de Letras Y artes de Buenos Aires, da AJEB, da Associação Cultive.

Autora do livro Comidas Afetivas & Poesias Combinação Perfeita.

Recebeu o título de Doutora Honoris Causa em Dietoterapia e Nutrição Clínica 2020.

Idealizadora do Chá & Poesias com Elas às segundas feiras.

Instagram @elucianairis   facebook Elucianairis    youtube Elucianairis

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6 Replies to “CHICO CACHACEIRO OU SENHOR FRANCISCO ETILISTA CRÔNICO – Por Eluciana Íris

  1. “…vou virar pra elas e dizê Chico Cachaceiro não, é SENHOR FRANCISCO ETILISTA CRÔNICO, me respeitem. Cês nem vem com apelido de pobre.”
    Ameeeeiiii Eluh! Você é maravilhosa! Parabéns!

  2. Parabens,é exemplar o seu trabalho,cultura pura e genuina !Inclusive penso que sua cronica poderia ser traduzida em outros idiomas e divulgada em outros paises.

  3. Mais uma vez sua crónica me fez retornar ao interior de minas aonde esses apelidos da cachaça se tornava nome verdadeiro. A história de Chico foi um convite a degustar suas aventuras etílicas. Parabéns Eluciana por mais um texto com um toque pessoal de quem consegui em palavras descrever uma história e transportar o leitor para o mundo das letras.

  4. Parabéns Eluciana Iris ,muito sucesso nesta caminhada .Suas matérias do jornal são sempre surpreendente e nos transporta para momentos marcantes da vida .Bjs

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